Sobre o Juízo Universal (ou Final)

Pax et bonum!

"Juízo Final", por Hans Memling, séc. XV

Aproveitando o Ano da Fé, em que nos convém conhecer melhor as verdades cristãs, bem como a inusitada aparição alardeada pela mídia de um "profeta", aqui na cidade de Teresina-PI, que predisse o "fim do mundo" para as 16h do último dia 12 de outubro (o que levou muitos incautos a se assustarem e mais de 100 pessoas, já há algum tempo, a morarem junto com este "profeta"), muito embora nosso foco, como já o declarei em outras postagens, seja a Sagrada Liturgia, decidi reunir algumas informações sobre o que a Igreja crê quanto ao "fim do mundo".
Espero assim colaborar para que nós, cristãos, levemos aos ignorantes as verdades acerca dos últimos acontecimentos. 
Infelizmente, até entre católicos de formação razoável, existe inclinação e verdadeira crença em supostas aparições e sinais, reprovados pela Igreja, que insinuam certas coisas. Sejamos atentos!
Portanto, segue primeiro um artigo da Catholic Encyclopedia, de 1910, traduzido, depois as páginas digitalizadas do Manual de Instrução Religiosa [Doutrina Católica] do Pe. Boulenger, de 1927, mais ou menos, e depois as citações do Catecismo da Igreja Católica.

***
Juízo Universal (ou Juízo Final)

Existência do juízo universal

1.
Poucas verdades são mais frequentemente ou mais claramente proclamadas nas Escrituras do que a do juízo universal. A isto os profetas do Antigo Testamento se referem quando falam do "Dia do Senhor" (Joel 2,31; Ezequiel 13,5; Isaías 2,12), no qual as nações serão chamados para o julgamento. No Novo Testamento, a Parusia, ou segunda vinda de Cristo, como Juiz do mundo, é uma doutrina várias vezes repetida. O próprio Salvador não somente prediz o evento, mas graficamente retrata as suas circunstâncias (Mateus 24,27ss; 25,31ss). Os Apóstolos dão a esta doutrina um lugar mais proeminente em suas pregações (Atos 10,42; 17,31) e escritos (Romanos 2,5-16; 14,10; 1Coríntios 4,5; 2Coríntios 5,10; 2Timóteo 4,1; 2Tessalonicenses 1,5; Tiago 5,7). Ao lado do nome Parusia (parousia), ou Advento (1Coríntios 15,23; 2Tessalonicenses 2,19), a Segunda Vinda também é chamada de Epifania, epiphaneia, ou Aparição (2Tessalonicenses 2,8; 1Timóteo 6,14; 2Timóteo 4,1; Tito 2,13), e Apocalipse (apokalypsis), ou Revelação (2Tessalonicenses 2,7; 1Pedro 4,13). O tempo da Segunda Vinda é referido como sendo "aquele Dia" (2Timóteo 4,8), "o dia do Senhor" (1Tessalonicenses 5,2), "o dia de Cristo" (Filêmon 1,6), "o dia do Filho do Homem" (Lucas 17,30), "o último dia" (João 6,39-40).

2.
A crença no juízo universal predominou na Igreja em todos os tempos e lugares. Ela está contida como artigo de fé em todos os credos antigos: "Subiu ao céu. Donde há de vir para julgar os vivos e os mortos" (Credo Apostólico). E de novo há de vir em sua glória, para julgar os vivos e os mortos" (Credo Niceno). "Donde há de vir a julgar os vivos e os mortos. E quando vier, todos os homens ressuscitarão com os seus corpos, para prestar conta dos seus atos" (Credo Atanasiano). Baseando-se na autoridade de Papias, vários Padres dos primeiros quatro séculos avançaram no rumo da teoria de um reino terrestre de Cristo com os santos por mil anos a preceder o fim do mundo. Embora esta ideia esteja entrelaçada com os ensinamentos escatológicos destes escritores, isto em nada prejudicou sua crença num juízo do mundo inteiro. O testemunho patrístico deste dogma é claro e unânime.

3.
O Catecismo Romano assim explica porque, ao lado do juízo particular de cada indivíduo, um juízo universal também deva acontecer tendo o mundo reunido: "Ora, os mortos deixam às vezes filhos que imitam os pais; parentes e discípulos que seguem e propagam seus exemplos em palavras e obras. Esta circunstância deve aumentar os prêmios ou castigos dos próprios mortos. Tal influência, que a muitos empolga, em seu caráter benéfico ou maligno, não acabará senão quando romper o último dia do mundo. Convinha, pois, fazer-se então uma perfeita averiguação de todas essas obras e palavras, quer sejam boas, quer sejam más. O que, porém, não seria possível sem um julgamento geral de todos os homens. (...) Como também a fortuna e a desgraça não fazem escolha entre bons e maus, era necessário provar que tudo é dirigido e governado pela infinita sabedoria e justiça de Deus. Convinha, pois, não só reservar prêmios aos bons e castigos aos maus, na vida futura, mas também decretá-los num juízo público e universal, que os tornasse mais claros e evidentes a todos os homens".

Sinais que precederão o juízo universal
As Escrituras mencionam certos eventos que terão lugar antes do juízo final. Estas predições não foram feitas na intenção de servir como indicações do tempo exato do julgamento, pois o dia e a hora só são conhecidos pelo Pai, e virá quando menos esperado. Eles foram feitos para prenunciar o juízo final e tornar o fim do mundo presente à mente dos cristãos, sem, contudo, excitar neles a curiosidade inútil ou os vãos temores. Teólogos comumente enumeram os seguinte nove eventos como sinais do juízo final:

Pregação universal da religião cristã
Quanto a este sinal, o Salvador diz: "A Boa Nova do Reino será proclamado em todo o mundo, como testemunho para todas as nações. E então virá o fim" (Mateus 24,14). Este sinal é entendido por Crisóstomo e Teófilo como referindo-se à destruição de Jerusalém, mas, de acordo com a maior parte dos interpretadores, Cristo aqui está falando do fim do mundo.

Conversão dos judeus
De acordo com a interpretação dos Padres, a conversão dos judeus próxima do fim do mundo é predita por São Paulo na Carta aos Romanos (11,25-26): "Para que não confieis demais em vossa própria sabedoria, irmãos, desejo que conheçais este mistério, a saber: o endurecimento de uma parte de Israel vai durar até que tenha entrado a totalidade dos pagãos. E então todo Israel será salvo, como está escrito: 'De Sião virá o libertador; ele removerá as impiedades do meio de Jacó'".

O retorno de Enoque e de Elias
A crença de que estes dois homens, que nunca experimentaram a morte, estão reservados para os últimos tempos, para serem precursores do Segundo Advento, foi praticamente unânime entre os Padres, os quais a baseavam em vários textos da Escritura (quanto a Elias, cf. Malaquias 4,5-6; Eclesiástico 48,10; Mateus 17,11; quanto a Enoque, cf. Eclesiástico 44,16).

Uma grande apostasia
Sobre este evento, São Paulo admoesta os Tessalonicenses (2Tessalonicenses 2,3) a que não devam ter medo, como se já estivesse chegando o dia do Senhor, pois primeiro deveria haver uma revolta (he apostasia). Os padres e intérpretes compreendem por esta revolta uma grande redução no número de fiéis por causa do abandono da religião cristã por parte de várias nações. Alguns comentaristas citam como confirmação desta crença as palavras de Cristo: "Mas o Filho do Homem, quando vier, será que vai encontrar fé sobre a terra?" (Lucas 18,8).

O reino do Anticristo
Na passagem mencionada acima (2Tessalonicenses 2,3ss), São Paulo indica como outro sinal do diado Senhor, a revelação do Iníquo, o filho da perdição. "O Iníquo" aqui descrito é geralmente identificado com o Anticristo que, diz São João (1João 2,18), está para vir nos últimos dias. Embora prevaleça muita obscuridade e diferença de opiniões neste assunto, admite-se geralmente, pelos textos citados e por outros, que, antes da Segunda Vinda, erguer-se-á um poderoso adversário de Cristo, que seduzirá as nações por suas maravilhas, e que perseguirá a Igreja.

Extraordinários abalos da natureza
As Escrituras claramente indicam que o julgamento será precedido por inusitadas e assustadoras perturbações do universo físico (Mateus 24,29; Lucas 21,25-26). As guerras, pestilências, fome e terremotos preditos em Mateus 24,6ss são também entendidos por alguns escritores como entre as calamidades dos últimos tempos.

A conflagração ou incêndio universal
Nos escritos Apostólicos conta-se que o fim do mundo será trazido por um incêndio universal, o qual, todavia, não aniquilará a presente criação, mas mudará sua forma e aparência (2Pedro 3,10-13; cf. 1Tessalonicenses 5,2; Apocalipse 3,3 e 16,15). A ciência natural apresenta a possibilidade de uma tal catástrofe sendo produzida pelo curso ordinário das coisas, mas os teólogos geralmente tendem a acreditar que sua origem será inteiramente miraculosa.

A Trombeta da Ressurreição
Vários textos no Novo Testamento fazem menção de uma voz ou trombeta que despertará os mortos para a ressurreição (1Coríntios 15,52; 1Tessalonicenses 4,15; João 5,28). De acordo com São Tomás (Suplemento 86,2) há referências nessas passagens à voz ou à aparição de Cristo, que causará a ressurreição dos mortos.

"O sinal do Filho do Homem aparecendo nos céus"
Em Mateus 24,30, isso indica um sinal que precederá imediatamente a aparição de Cristo para julgar o mundo. Por este sinal os Padres da Igreja geralmente entendem a aparição da Cruz, em que o Salvador morreu, no céu, ou também de uma maravilhosa cruz de luz.

Circunstâncias relativas ao juízo universal

Tempo
Como dito acima, os sinais que hão de preceder o julgamento não dão indicação precisa do tempo em que ele ocorrerá (Marcos 13,32). Quando os discípulos perguntaram ao Salvador: "Senhor, é porventura agora que ides instaurar o reino de Israel?" Ele respondeu: "Não vos pertence a vós saber os tempos nem os momentos que o Pai fixou em seu poder" (Atos 1,6-7). Cristo e os Apóstolos insistem continuamente na incerteza do dia do julgamento como incentivo à vigilância. O dia do Senhor virá "como um ladrão" (Mateus 24,42-43), como relâmpago aparecendo subitamente (Mateus 24,27), como uma armadilha (Lucas 21,34), como o Dilúvio (Mateus 24,37).

Lugar do julgamento
Todos os textos em que se menciona a Parusia, ou Segunda Vinda, parecem implicar de modo claramente suficiente que o juízo universal ocorrerá na terra. Alguns comentaristas inferem de 1Tessalonicenses 4,16, que o julgamento ocorrerá nos ares, sendo os recém-ressuscitados levados entre as nuvens para encontrar-se com Cristo; de acordo com outros, a profecia de Joel (3,1ss) localiza o juízo final no Vale de Josafá.

A vinda do Juiz
Que este julgamento esteja atribuído a Cristo, não só como Deus, mas também como Homem, é algo expressamente declarado na Escritura; muito embora o poder de julgar seja comum a todas as Pessoas da Trindade, é ainda especialmente atribuído ao Filho, porque a ele se atribui a sabedoria de uma maneira especial. Mas quanto a julgar o mundo enquanto Homem, é algo confirmado pelo próprio Cristo (João 5,26-27). Na Segunda Vinda, Cristo aparecerá nos Céus, sentado numa nuvem e rodeado pelas falanges angélicas (Mateus 16,27; 24,30; 25,31). O anjos servirão ao Juiz trazendo todos diante dele (Mateus 24,31). Os eleitos auxiliarão a Cristo com certa capacidade judicial (1Coríntios 6,2). As vidas dos justos serão por si mesmas uma condenação dos ímpios (Mateus 21,41), cuja punição eles publicamente aprovarão. Mas os Apóstolos serão juízes do mundo num senso ainda mais exato, pois a promessa de que eles sentarão sobre doze tronos para julgar as doze tribos de Israel (Mateus 19,28) parece implicar uma real participação na autoridade judicial. De acordo com uma opinião muito provável, esta prerrogativa é de se estender a todos quantos cumpriram fielmente os conselhos evangélicos (Mateus 19,27-28). Nada se sabe ao certo sobre a maneira em que esta autoridade delegada será exercida. São Tomás conjetura que os maiores santos darão a conhecer aos outros a sentença de Cristo (Suplemento 88,2).

Os que hão de ser julgados
Todos os homens, bons e maus, de acordo com o Credo Atanasiano, aparecerão no julgamento para prestar contas de seus atos. Quanto às crianças que pessoalmente não praticaram nem o bem e nem o mal, as batizadas devem ser distinguidas das não-batizadas. As primeiras aparecerão no julgamento, não para serem julgadas, mas apenas para manterem a glória de Cristo (Suplemento 80,5), enquanto as seguintes, classificadas com os ímpios, embora não julgadas, serão capazes de perceber a justiça da eterna perdição deles (Suarez). Os anjos e os demônios não serão julgados diretamente, posto que seu destino eterno já foi fixado; mas ainda, por terem exercido uma certa influência sobre a sorte dos homens, a sentença pronunciada sobre estes terá neles um efeito correspondente (Suplemento 89,8).

Objeto do julgamento
O julgamento abraçará todas as obras, boas ou más, os pecados perdoados e os não perdoados, toda palavra vã (Mateus 12,36), todo pensamento secreto (1Coríntios 4,5). Com exceção de Pedro Lombardo, os teólogos ensinam que mesmo os pecados secretos dos justos serão manifestos, a fim de que o julgamento possa ser completo e que a justiça e a misericórdia de Deus sejam glorificadas. Isto não causará dor ou embaraço aos santos, mas aumento de glória, assim como o arrependimento de São Pedro e de Santa Maria Madalena são para estes santos uma fonte de alegria e de honra.

A forma do julgamento
O procedimento do julgamento é descrito em Mateus 25,31-46, e em Apocalipse 20,12. Comentaristas vêem nestas passagens [apenas] descrições alegóricas com o intuito de transmitir de forma vívida o fato de que no juízo final as condutas e os merecimentos de cada indivíduo serão tornados claros não somente para suas próprias consciências mas para o conhecimento de todo o mundo reunido. É provável que nenhuma palavra seja dita no julgamento, mas que num instante, através de uma iluminação divina, cada criatura passe a conhecer inteiramente sua própria condição moral e a de cada outra criatura (Romanos 2,15). Muitos acreditam, todavia, que as palavras de sentença: "Vinde, vós, benditos", etc. e "Afastai-vos de mim", etc. serão realmente dirigidas por Cristo à multidão dos salvos e dos perdidos.

Resultados do juízo universal
Com o cumprimento da sentença pronunciada no juízo final, as relações e tratos entre o Criador e a criatura encontram seu cume, são explicados e justificados. Alcançado o divino propósito, a raça humana, consequentemente, chega a seu destino final. O reino de Cristo sobre a humanidade será a consequência do Juízo Universal.

Fonte:  McHugh, John. "General Judgment." The Catholic Encyclopedia. Vol. 8. New York: Robert Appleton Company, 1910. Disponível em http://www.newadvent.org/cathen/08552a.htm.

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Da obra Doutrina Católica do Pe. Boulenger, 114-116






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Do Catecismo da Igreja Católica, 675-679

Antes da vinda de Cristo, a Igreja deverá passar por uma prova final, que abalará a fé de numerosos crentes. A perseguição, que acompanha a sua peregrinação na Terra, porá a descoberto o "mistério da iniquidade", sob a forma duma impostura religiosa, que trará aos homens uma solução aparente para os seus problemas, à custa da apostasia da verdade. A suprema impostura religiosa é a do Anticristo, isto é, dum pseudo-messianismo em que o homem se glorifica a si mesmo, substituindo-se a Deus e ao Messias Encarnado.
Esta impostura anticrística já se esboça no mundo, sempre que se pretende realizar na história a esperança messiânica, que não pode consumar-se senão para além dela, através do juízo escatológico. A Igreja rejeitou esta falsificação do Reino futuro, mesmo na sua forma mitigada, sob o nome de milenarismo, e principalmente sob a forma política dum messianismo secularizado, "intrinsecamente perverso".
A Igreja não entrará na glória do Reino senão através dessa última Páscoa, em que seguirá o Senhor na sua morte e ressurreição. O Reino não se consumará, pois, por um triunfo histórico da Igreja segundo um progresso ascendente, mas por uma vitória de Deus sobre o último desencadear do mal, que fará descer do céu a sua Esposa. O triunfo de Deus sobre a revolta do mal tomará a forma de Juízo final, após o último abalo cósmico deste mundo passageiro.

Na sequência dos profetas e de João Batista, Jesus anunciou, na sua pregação, o Juízo do último dia. Então será revelado o procedimento de cada um e o segredo dos corações. Então, será condenada a incredulidade culpável, que não teve em conta a graça oferecida por Deus. A atitude tomada para com o próximo revelará a aceitação ou a recusa da graça e do amor divino. No último dia, Jesus dirá: "Sempre que o fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes" (Mt 25, 40).
Cristo é Senhor da vida eterna. O pleno direito de julgar definitivamente as obras e os corações dos homens pertence-Lhe a Ele, enquanto redentor do mundo. Ele "adquiriu" este direito pela sua cruz. Por isso, o Pai entregou "ao Filho todo o poder de julgar" (Jo 5, 22). Ora, o Filho não veio para julgar, mas para salvar e dar a vida que tem em Si. É pela recusa da graça nesta vida que cada qual se julga já a si próprio, recebe segundo as suas obras e pode, mesmo, condenar-se para a eternidade, recusando o Espírito de amor.

Disponível em: http://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/p1s2cap2_422-682_po.html

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Por Luís Augusto - membro da ARS


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