Os passos da reforma litúrgica pós-conciliar - Homilia e Angelus, de Paulo VI, em 07/03/65

Pax et bonum!

Amados irmãos, este período de encerramento e início de ano civil não foi tão folgado como esperado. Por outro lado, estive realmente na dúvida se traduziria até o fim a homilia de Paulo VI, do dia 07/03/1965.
Como o foco desta série de postagens é o que se pensou e o que foi feito no contexto de "reforma litúrgica", a partir do Concílio Vaticano II, decidi traduzir apenas a primeira parte da homilia, que toca diretamente no assunto, e junto dela, numa só postagem, colocar o Angelus do mesmo dia.
Recordamos que o dia em questão é a entrada em vigor do Ordo Missae "renovado", que para alguns era uma "missa híbrida", por ter partes em latim e partes em vernáculo.
Vê-se o otimismo com que o Santo Padre considerava a reforma em questão e a esperança nela depositada, bem como a consciência dos sacrifícios que estavam sendo feitos.
Deixamos a palavra com o Papa Paulo VI:


Homilia, Paulo VI
I Domingo da Quaresma, 7 de março de 1965

O que estamos a fazer? Este é o momento das reflexões, e se insere no Rito sagrado para suscitar os pensamentos que devemos acompanhar. Nós estamos atuando numa realidade que, já por si, apresenta-se solene e tem dois aspectos: um extraordinário; outro costumeiro e ordinário.
Extraordinária é a hodierna nova maneira de rezar, de celebrar a Santa Missa. Inaugura-se, hoje, a nova forma da Liturgia em todas as paróquias e igrejas do mundo, para todas as Missas celebradas com o povo. É um grande acontecimento, que se deverá recordar como princípio de uma exuberante vida espiritual, como um novo empenho no ato de corresponder ao grande diálogo entre Deus e o homem.

"O SENHOR ESTEJA CONVOSCO!"

Norma fundamental é, doravante, rezar compreendendo cada uma das frases e palavras, de completá-las com nossos sentimentos pessoais, e de uniformizá-los à alma da comunidade, que faz coro conosco.
Há, pois, uma outra circunstância que torna singular a solenidade de hoje: a presença do Papa, que, por si, autoriza a destacar tudo que possa tornar-se útil à nossa vida cristã.
Quanto ao restante, querendo considerar o segundo aspecto, isto é, aquilo que é costume nestas assembleias, tudo - nós o sabemos - apresenta um caráter precioso e digno da nossa reflexão.
Primeiramente: o que é o Rito que estamos celebrando? É um encontro daquele que oferece o Divino Sacrifício com o povo que lhe assiste. Tal encontro deve ser, por isso, pleno e cordial. Não é portanto fora de lugar que o celebrante - neste caso o Papa - dirija tantas vezes aos assistentes a saudação característica: O Senhor esteja convosco!
Eis: o Papa repete o grande desejo não somente voltando-se com afetuoso gesto aos presentes, mas exprimindo o propósito de reunir a inteira população cristã desta Cidade, da santa Diocese de Pedro e Paulo, a Diocese de Roma. Por isso, com todo o coração, com toda a força que Deus põe na sua voz, no seu ministério, o Santo Padre exclama voltado para o povo romano: Que Deus esteja contigo!
Ao mesmo tempo ele espera que todos respondam de bom grado: E com o teu espírito! De tal modo se inicia este estupendo e fervoroso diálogo entre aquele que tem a responsabilidade de ofício como Ministro de Deus e o povo cristão; entre o Sacerdote e o simples fiel, que recebe estas graças; ele comenta, com elas se enriquece e, por sua vez, as estende a toda a comunidade.

TODOS CHAMADOS À REDENÇÃO E À SALVAÇÃO

Como é óbvio, porém, os participantes diretos da Ação Litúrgica recebem a saudação de maneira especial. Esteja o Senhor - explica o Santo Padre - com a dileta comunidade de sacerdotes, clérigos, estudantes, que moram na antiga casa de Don Orione; com o Pároco que tem a responsabilidade pastoral por esta porção do rebanho diocesano; com todos os fieis confiados à sua solicitude. Esteja o Senhor com as comunidades religiosas pouco antes saudadas; com os caríssimos enfermos os quais, por antecipado pensamento, estão no primeiro posto na assembleia; impetram tanta mercê suas orações e sofrimentos oferecidos em prol de todos os outros; com os coroinhas, que adornam o altar e representam todos os da sua idade, esperanças da família, da Igreja e da sociedade; esteja com as várias Associações, masculinas e femininas, da Ação Católica e de caráter religioso; e finalmente o augúrio de bênção alcance toda casa, levando-lhe a graça e a paz do Senhor!
Tal auspício não se limita às pessoas: estende-se também às atividades temporais: ao estudo, ao trabalho, à fadiga, às profissões, a fim de que o conjunto da vida material, a busca do pão de cada dia, recebam uma saudação de paz, de harmonia, de prosperidade.
E os que estão longe? Há alguém aqui - pergunta com paterna preocupação o Santo Padre - que está fora do chamado? Bem - ele acrescenta - eu teria o direito de chamar um a um os cristãos desta paróquia, e de perguntar-lhes se são fieis. Deveria recordar, a cada um destes, o caráter que levam impresso na alma para conhecer, amar e servir a Cristo. E se alguém fosse ou esquecido ou inerte, acolha hoje, de minha parte, o convite mais cordial e paterno: Tu que não compreendes as coisas da Igreja, tu que não sabes mais rezar, que te crês distante, te consideras talvez excluído da grande Família e visto com maus olhos, sabe, ao invés, que a Igreja te procura, te chama, te solicita, te espera. Por quê? Porque também em ti resplandece o direito dos filhos de Deus; tens, então, o dever de responder ao grande chamado da tua salvação. Todos, de fato, temos por vocação suprema a sorte de compartilhar a grande história da nossa Redenção.

CRISTO PRESENTE NA ORAÇÃO E COM A PALAVRA

Segundo pensamento. Além do encontro, tão sugestivo e promissor, estamos aqui para celebrar o grande Rito sacrifical, eucarístico: a Santa Missa; aquilo que quer dizer a presença de Cristo em meio a nós. Agora o papa, antes ainda de levar a essa presença sacramental e real, deseja repropor aos diletos ouvintes uma grande verdade. Pelo simples fato de que nos encontramos juntos, congregados em nome de Cristo, unidos para pensar nele e dirigir-lhe a oração, nós já possuímos a sua presença. Jesus mesmo no-lo assegurou: sempre que dois ou três estiverem unidos em meu nome - eis o mistério da presença mística de Cristo - eu estarei aí no meio deles. Nós assim podemos nos dar conta desta misteriosa presença de Jesus que paira entre nós, hoje, concentrando-nos sobre tal realidade, e mesmo porque o seu Nome nos reúne, a 1965 anos de seu nascimento; por que nele cremos; e daqui a pouco celebraremos os seus Mistérios sacramentais.
Cristo está aqui: a paróquia atua a sua presença entre os fieis, de tal modo que o mesmo povo cristão torna-se, pode-se dizer, sacramento, isto é, sinal sagrado da presença do Senhor. Mas isso não é tudo. Gozamos de uma outra presença do Senhor: a sua Palavra; o seu Evangelho. Há uma coincidência entre a vida de Jesus e a sua palavra, dado que ele é o Verbo, é a Palavra. Quando repetimos suas palavras, tornamos, de certa forma, Jesus presente conosco. Entre um mestre e aquilo que ele ensina existe uma certa distância; entre Jesus e a sua palavra há coincidência. Enquanto queremos que o Senhor esteja conosco, a sua palavra já o traz. De certo modo – misterioso, mas quase mais próximo à nossa capacidade de aprender – esta sua presença vive em nossas almas, a sua voz ecoa em nossos corações, o seu pensamento se faz nosso, o seu ensinamento circula em nosso ser. Resumindo: nós entramos em comunhão com Cristo se escutamos bem a palavra de Deus.
Encontramo-nos, assim, bem preparados para o grande e misterioso Rito da Ceia sacrifical: a Santa Missa.
É comum, neste ponto, comentar a palavra do Senhor. É evidente que desejamos adquiri-la, introduzi-la pelos ouvidos até o coração, escutá-la interiormente, fixá-la em nós, torná-la como um suprimento de energia para o intelecto e para o coração, observá-la sempre na prática, vivê-la.

(N.T.: No restante da homilia o Santo Padre tratou do duelo entre o bem e o mal, a partir das tentações do Senhor, tema do evangelho da ocasião, e do aspecto de "miles Christi" - soldado de Cristo, a partir do sacramento da Confirmação.) 


Angelus, Paulo VI
I Domingo da Quaresma, 7 de março de 1965

Este domingo marca uma data memorável na história espiritual da Igreja, porque a língua falada entra oficialmente no culto litúrgico, como já tendes visto nesta manhã.
A Igreja considerou imperiosa esta medida - o Concílio a sugeriu e deliberou - e isto para tornar inteligível e fazer entender a sua oração. O bem do povo exige este cuidado, a fim de tornar possível a participação ativa dos fiéis no culto público da Igreja. É um sacrifício que a Igreja fez de sua própria língua, o latim; língua sagrada, grave, bela, extremamente expressiva e elegante. Sacrificou tradições de séculos e, sobretudo, sacrifica a unidade de linguagem nos vários povos, em homenagem a esta maior universalidade, para chegar a todos.
E isto por vós, fiéis, para que saibais melhor unir-vos à oração da Igreja, para que saibais passar de um estado de simples espectadores ao de fiéis participantes e ativos, e se souberdes de fato corresponder a este cuidado da Igreja, tereis a grande alegria, o mérito e a fortuna de uma verdadeira renovação espiritual.
E nós também rezamos ainda a Nossa Senhora, rezaremos ainda em latim por enquanto, para que nos conceda o desejo da vida espiritual ativa e autêntica e nos dê este senso desperto de comunidade, de fraternidade, de coletividade que reza junto, de povo de Deus, para que agora tenhamos certamente asseguradas a nós as vantagens desta grande reforma litúrgica.


Tradução livre do italiano por Luís Augusto - membro da ARS

Comentários

  1. "A Igreja considerou imperiosa esta medida - o Concílio a sugeriu e deliberou - e isto para tornar inteligível e fazer entender a sua oração. O bem do povo exige este cuidado, a fim de tornar possível a participação ativa dos fiéis no culto público da Igreja"

    Estranho que este conceito de "participação ativa" parece ir contra o que diz a Mediator Dei, entre outros. Como se antes não fosse possível aos fiéis participarem ativamente.

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