"O Credo dos Apóstolos"

Pax et bonum!

Há menos de um mês para a abertura do Ano da Fé, apresentamos esta tradução de mais um artigo da Catholic Encyclopedia, desta vez, sobre o Símbolo Apostólico.

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Facsímile de página do Sacramentarium Gellonense, de origem francesa,
escrito por volta do ano 780, onde aparece o Símbolo dos Apóstolos

É uma fórmula contendo, em breves afirmações, ou "artigos", os princípios fundamentais da crença cristã, e tendo por seus autores, segundo a tradição, os Doze Apóstolos.

Origem do Credo

Por toda a Idade Média, acreditava-se geralmente que os Apóstolos, no dia de Pentecostes, enquanto ainda sob inspiração direta do Espírito Santo, compuseram nosso presente Credo entre si, cada um dos Apóstolos contribuindo com um dos doze artigos. Esta lenda data do séc. VI (cf. Pseudo-Agostinnho em Migne, P.L., XXXIX, 2189, e Pirmínio, ibid., LXXXIX, 1034), e é prenunciado ainda mais antes num sermãoa tribuído a Santo Ambrósio (Migne, P.L., XVII, 671; Kattenbusch, I, 81), que toma nota de que o Credo foi "montado, construído por doze operários distintos". Por volta do mesmo período (+- 400) Rufino (Migne, P.L., XXI, 337) dá uma detalhada explicação da composição do Credo, explicação esta que diz ter recebido de gerações anteriores (tradunt maiores nostri). Embora ele não atribua explicitamente cada artigo à autoria de um Apóstolo individualmente, ele afirma que se trata de uma obra conjunta de todos, e implica que esta deliberação tomou lugar no dia de Pentecostes. Ademais, ele declara que "eles decidiram por várias justas razões que esta regra de fé chamar-se-ia Símbolo", palavra grega que ele explica como sendo tanto indicium, isto é, um distintivo ou senha pelo qual os cristãos poderiam reconhecer-se, e collatio, que quer dizer uma oferta feita de contribuições separadas. Alguns anos antes disso (+- 390), a carta do Concílio de Milão, endereçada ao Papa Sirício (Migne, P.L., XVI, 1213) fornece o uso mais antigo conhecido da expressão Symbolum Apostolorum ("Símbolo dos Apóstolos") nestas notáveis palavras: "Se não dais crédito aos ensinamentos dos sacerdotes... ao menos seja dado ao Símbolo dos Apóstolos, que a Igreja Romana sempre preservou e manteve inviolado". A palavra Symbolum, neste sentido, sozinha, vem ao nosso encontro primeiramente no séc. III numa correspondência de São Cipriano e Santa Firmília, esta última, particularmente, falando do Credo como sendo o "Símbolo da Trindade", e reconhecendo-o como parte integral do rito do batismo (Migne, P.L., III, 1165, 1143). Deve-se acrescentar, além disso, que Kattenbusch (II, p. 80, nota) acredita que o mesmo uso das palavras pode ser traçado até o tempo de Tertuliano. E mais, nos dois primeiros séculos depois de Cristo, embora frequentemente encontremos menção ao Credo sob outras designações (ex: regula fidei, doctrina, traditio), o nome symbolum não aparece. Rufino, portanto, estava errado quando declarou que os próprios Apóstolos, "por várias justas razões", selecionaram este exato termo. Este fato, junto com a intrínseca probabilidade da história e o surpreendente silêncio do Novo Testamento e dos Padres Pré-Nicenos, não nos dão outra escolha senão classificar a narrativa circunstancial de Rufino como não-histórica.

Entre os críticos recentes, alguns atribuem ao Credo uma origem bem posterior à Era Apostólica. Harnack, por exemplo, afirma que em sua forma atual ele somente representa a confissão batismal da Igreja do Sul da Gália, datando no mínimo da segunda metade do séc. V (Das apostolische Glaubensbekenntniss, 1892, p. 3). Interpretados de uma maneira estrita, os termos desta afirmação são precisos o suficiente, embora pareça provável que não tenha sido na Gália, mas em Roma, que o Credo tenha realmente assumido sua forma final (cf. Burn em "Journal of Theol. Studies", Julho, 1902). Mas o destaque dado por Harnack na data recente de nosso texto recebido (T) é, para dizer o mínimo, um tanto enganador. É certo, como Harnack concede, que outra e mais antiga forma do Credo (R) veio a existir, em Roma mesmo, na primeira metade do séc. II. Ademais, como veremos, as diferenças entre R e T não são tão importantes e é provável que R, se não foi elaborado pelos Apóstolos, é ao menos baseado num esboço que data da Era Apostólica. Assim, tomando o documento como um todo, podemos dizer confiantemente, nas palavras de uma moderna autoridade Protestante, que "no Credo e com o Credo nós confessamos aquilo que desde os dias dos Apóstolos tem sido a fé da cristandade unida" (Zahn, Apostle's Creed, tr., p, 222). A questão da apostolicidade do Credo não deve ser descartada sem se dar a devida atenção às cinco considerações seguintes:

1. Há traços bastante sugestivos, no Novo Testamento, do reconhecimento de uma certa "forma de doutrina" (typos didaches, Romanos 6,17) que moldou, por assim dizer, a fé dos novos convertidos à lei de Cristo, e que envolvia não somente a palavra da fé acreditada no coração, mas "a confissão com a boca para a salvação" (Romanos 10,8-10). Em estreita ligação com isto, devemos recordar a profissão de fé em Jesus Cristo, exigida do eunuco (Atos 8,37) como uma preliminar para o batismo (Agostinho, "De Fide et Operibus", cap. ix; Migne, P.L., LVII, 205) e a fórmula do próprio batismo em nome das Três Pessoas da Santíssima Trindade (Mateus 28,19; e cf. Didakê 7,2, e 9,5). Além disso, tão cedo quanto passamos a obter qualquer tipo de descrição detalhada da cerimônia do batismo, vemos que, como preliminar à atual imersão, uma profissão de fé era exigida do convertido, o que apresenta desde os tempos mais antigos uma confissão claramente dividida e separada do Pai, do Filho e do Espírito Santo, correspondendo às Pessoas Divinas invocadas na fórmula do batismo. Dado que não encontramos em nenhum documento anterior a fórmula completa da profissão de fé, não podemos assegurar que era idêntica ao nosso Credo, mas, por outro lado, é certo que nada ainda foi descoberto que seja inconsistente com tal suposição. Veja-se, por exemplo, o "Cânon de Hipólito" (+- 220) ou a "Didascália" (+- 250) na "Bibliothek der Symbole" (8, 14, 35) de Hahn; junto com ligeiras alusões em Justino Mártir e Cipriano.

2. Não obstante as dificuldades que podem ser postas quanto à existência da Disciplina Arcani nos tempos antigos (Kattenbusch, II, 97 sqq.), não se pode questionar que em Cirilo de Jerusalém, Hilário, Agostinho, Leão, o Sacramentário Gelasiano, e em várias outras fontes dos séc. IV e V, insiste-se muito na ideia; que conforme a antiga tradição o Credo era para ser aprendido pelo coração (de cor), e que nunca fosse entregue para ser escrito. Isto indubitavelmente provê uma explanação plausível do fato de nenhum credo primitivo ser o texto preservado para nós completo ou numa forma contínua. O que sabemos destas fórmulas em seu estado mais antigo é derivado do que podemos construir de citações, mais ou menos dispersas, que se encontram em certos escritores como, por exemplo, Irineu e Tertuliano.

3. Embora nenhum tipo de Credo uniforme possa ser certamente reconhecido entre os mais antigos escritores do oriente antes do Concílio de Niceia, argumento que tem sido levado em conta por muitos para negar a existência de alguma fórmula Apostólica, é um fato interessante que as Igrejas Orientais, no séc. IV, são tidas como possuidoras de um Credo que reproduz, com variações, o tipo romano antigo. Este fato é plenamente admitido por certas autoridades protestantes como Harnack (em Hauck's Realencyclopädie, I, 747) e Kattenbusch (I, 380 sq.; II, 194 sqq., e 737 sq.). É óbvio que estes dados se harmonizariam muito bem com a teoria de que um Credo primitivo foi entregue aos cristãos da comunidade de Roma, seja pelos próprios São Pedro e São Paulo ou por seus sucessores imediatos, e que no decorrer do tempo se espalhou pelo mundo.

4. Além do mais, note-se que indo rumo ao fim do séc. II nós podemos extrair, dos escritos de Santo Irineu, no sul da Gália, e de Tertuliano, na distante África, dois Credos semi-completos concordando ambos com o antigo Credo Romano (R), como sabemos por Rufino e por outro. Será útil traduzir de Burn (Introduction to the Creeds, pp. 50, 51) sua apresentação em tabela da evidência no caso de Tertuliano (cf. MacDonald em "Ecclesiastical Review", Fevereiro, 1903):

De Virg. Vel., 1
De Praecept., 13 e 26
(1) Crendo em um Deus todo-poderoso, criador do mundo,
(1) Cremos em um só Deus,
(1) Eu creio em um Deus, criador do mundo,
(2) e em seu Filho, Jesus Cristo,
(2) e no Filho de Deus, Jesus Cristo,
(2) e no Verbo, chamado de seu Filho, Jesus Cristo,
(3) nascido da Virgem Maria,
(3) nascido da Virgem,
(3) feito carne no seio de Maria, pelo Espírito e o poder de Deus Pai, e dela nascido,
(4) crucificado sob Pôncio Pilatos,
(4) que padeceu, morreu e foi sepultado,
(4) preso a uma cruz.
(5) no terceiro dia trazido à vida, dos mortos,
(5) trazido de volta à vida,
(5) Ele ressuscitou ao terceiro dia,
(6) recebido no céu,
(6) levado de volta para o céu,
(6) foi arrebatado para o céu,
(7) sentado agora à direita do Pai,
(7) ele que senta à direita do Pai,
(7) sentou-se à direita do Pai,
(8) virá para julgar os vivos e os mortos
(8) virá julgar os vivos e os mortos,
(8) virá com glória para levar os bons para a vida eterna, e condenar os maus ao fogo perpétuo,
(9) o qual enviou do Pai o Espírito Santo.
(9) enviou o poder vicário de seu Santo Espírito,
(10) para governar os crentes (nesta citação os artigos 9 e 10 precedem o 8)
(12) pela ressurreição da carne.
(12) e [creio] na restauração da carne.

Uma tabela como esta serve admiravelmente para mostrar quão incompleta é a evidência dada por meras citações do Credo, e quão cuidadosamente se deve tratar esta matéria. Se tivéssemos somente o "De Virginibus Velandis", teríamos dito que o artigo sobre o Espírito Santo não faz parte do Credo de Tertuliano. Tivesse o "De Virginibus Velandis" sido destruído, teríamos declarado que Tertuliano não conhecia a cláusula "padeceu sob Pôncio Pilatos". E assim por diante.

5. Não se pode esquecer que, enquanto não há afirmação explícita da composição de uma fórmula de fé antes do fim do séc. IV, antigos Padres como Tertuliano e Santo Irineu insistem de uma forma bastante enfática que a "regra de fé" é parte da tradição apostólica. Tertuliano, particularmente em sua "De Praescriptione", depois de mostrar que por esta regra (regula doctrinae) ele compreende algo praticamente idêntico ao nosso Credo, insiste que a regra foi instituída por Cristo e entregue a nós (tradita) como de Cristo pelos Apóstolos (Migne. P.L., II, 26, 27, 33, 50). Como conclusão desta evidência o presente escritor, concordando totalmente com certas autoridades como Semeria e Batiffol, em que não podemos seguramente afirmar a composição apostólica do Credo, ao mesmo tempo considera que negar a possibilidade de tal origem é ir além dos dados que se tem no presente. Uma visão mais pronunciadamente conservadora é dada por MacDonald no "Ecclesiastical Review", Janeiro a Julho, 1903.

O Antigo Credo Romano

O Catecismo do Concílio de Trento aparentemente assume a origem apostólica de nosso Credo existente, mas tal pronunciamento não tem força dogmática e deixa a opinião livre. Apologistas modernos, ao defender a apostolicidade, estendem-na apenas à forma romana antiga (R), e vêem certo obstáculo na objeção de que se R tivesse sido realmente a voz inspirada dos apóstolos, ela não teria sido modificada como aprouvesse às várias igrejas locais (Rufino, por exemplo, testemunha tal expansão no caso da Igreja de Aquileia), e particularmente não teria sido totalmente suplantada pela T, nossa forma existente. A diferença entre as duas será melhor visualizada pondo-as lado a lado (os Credos R e T):

R.
T.
(1) Creio em Deus Pai todo-poderoso;
(1) Creio em um Deus Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra
(2) e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor;
(2) e em Jesus Cristo, seu Filho único, nosso Senhor;
(3) que nasceu pelo Espírito Santo e da Virgem Maria;
(3) que foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria,
(4) crucificado sob Pôncio Pilato e sepultado;
(4) padeceu sob Pôncio Pilato, foi crucificado, morto e sepultado;
(5) ao terceiro dia ressuscitou dos mortos,
(5) desceu ao inferno; ressuscitou dos mortos ao terceiro dia;
(6) subiu ao céu,
(6) subiu ao céu, está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso;
(7) está sentado à direita do Pai,
(7) donde há de vir para julgar os vivos e os mortos.
(8) donde virá para julgar os vivos e os mortos.
(8) E no Espírito Santo,
(9) E no Espírito Santo,
(9) a santa Igreja católica, a comunhão dos santos,
(10) a santa Igreja,
(10) a remissão dos pecados,
(11) a remissão dos pecados;
(11) a ressurreição da carne, e
(12) a ressurreição do corpo.
(12) a vida eterna.


Deixando de lado pontos menores de diferença, os quais para uma discussão adequada pediriam um estudo do texto latino, podemos notar que R não contém as cláusulas "Criador do céu e da terra", "desceu ao inferno", "a comunhão dos santos", "a vida eterna", nem as palavras "concebido", "padeceu", "morto", e "católica". Várias das adições, mas não exatamente todas, foram provavelmente do conhecimento de São Jerônimo na Palestina (+- 380. --Veja-se Morin em Revue Benedictine, Janeiro, 1904) e por volta da mesma data a Niceta, da Dalmácia (Burn, Niceta of Remesiana, 1905). Outras adições aparecem nos credos do sul da Gália no início do século seguinte, mas T provavelmente assumiu sua forma final na própria Roma em algum tempo antes do ano 700 (Burn, Introduction, 239; e Journal of Theol. Studies, Julho, 1902). Nada sabemos ao certo sobre as razões que levaram a adoção de T em preferência a R.

Artigos do Credo

Embora T realmente contenha mais que doze artigos, sempre foi costume manter a divisão em doze partes que se originou com R e que a ela mais estritamente se aplica. Alguns dos itens mais debatidos pedem algum breve comentário. O primeiro artigo de R apresenta uma dificuldade. Da linguagem de Tertuliano tem-se que R originalmente omitiu a palavra Pai e acrescentou a palavra "um"; assim, "Creio em um Deus todo-poderoso". Donde Zahn infere um original grego subjacente ainda sobrevivente parcialmente no Credo Niceno, e defende que o primeiro artigo do Credo sofreu modificação para contrariar os ensinamentos da heresia monarquiana. Basta dizer aqui que embora a língua original de R possa ter sido o grego, as premissas de Zahn acerca do texto do primeiro artigo não são aceitas por certas autoridades como Kattenbusch e Harnack.

Outra dificuldade textual aparece na inclusão da palavra "único" no segundo artigo; mas uma questão mais séria é levantada pela recusa de Harnack em reconhecer, seja no primeiro ou no segundo artigo de R, qualquer  confirmação de uma relação eterna ou pré-existente de filiação e paternidade nas Pessoas Divinas. A teologia trinitariana das últimas épocas, declara ele, leu no texto um significado que ele não teria para os seus autores. E diz, novamente, com relação ao nono artigo, que o escritor do Credo não concebeu o Espírito Santo como Pessoa, mas como um poder e dom. "Nenhuma prova pode ser apresentada de que por volta da metade do séc. II o Espírito Santo fosse crido como uma Pessoa". É impossível fazer aqui mais do que direcionar o leitor a certas respostas católicas como as de Baumer e Blume; e entre os anglicanos ao muito conveniente volume de Swete. Para citar apenas uma ilustração do antigo ensinamento patrístico, Santo Inácio, no fim do séc. I, repetidamente se refere a uma Filiação que está além dos limites do tempo: "Jesus Cristo... veio de um Pai", "estava com o Pai antes que o mundo existisse" (Carta aos Magnésios, 6-7). Enquanto, no que diz respeito ao Espírito Santo, São Clemente Romano, em data ainda mais antiga escreve: "Assim como Deus vive, e o Senhor Jesus Cristo vive, e o Espírito Santo, assim é a fé e a esperança dos eleitos" (cap. lviii). Esta e outras passagens semelhantes claramente indicam a consciência de uma distinção entre Deus e o Espírito de Deus análoga àquela reconhecida entre Deus e o Logos. Um similar apelo a antigos escritores deve ser feito em relação ao terceiro artigo, que afirma o parto virginal. Harnack admite que as palavras "concebido pelo Espírito Santo" (T), realmente nada acrescenta ao "nasceu pelo Espírito Santo" (R). Ele admite consequentemente que "no início do séc. II a crença na concepção milagrosa estabeleceu-se como parte da tradição da Igreja". Mas ele nega que esta doutrina tenha sido parte das mais antigas pregações do Evangelho, e ele consequentemente pensa ser impossível que o artigo possa ter sido formulado no séc. I. Nós só podemos responder aqui que o ônus da prova recai sobre ele, e que o ensinamento dos Padres Apostólicos, como citado por Swete e outros, apontam para uma conclusão bastante diferente.

Rufino (+- 400) afirma explicitamente que as palavras "desceu ao inferno" não estavam no Credo romano, mas existiam no de Aquileia. Elas também estão em alguns credos gregos e no de São Jerônimo, posteriormente recuperado por Morin. Sem dúvida foi uma recordação de 1 Pedro 3,19, como interpretada por Irineu e outros, o que causou essa inserção. A cláusula "comunhão dos santos", que aparece primeiro em Niceta e em São Jerônimo, deveria ser referida inquestionavelmente como uma mera expansão do artigo "a Santa Igreja". "Santos", da forma como é usado aqui, significava originalmente nada mais que os membros vivos da Igreja (veja o artigo de Morin na Revue d'histoire et de litterature ecclesiastique. Maio, 1904, e a monografia de J.P. Kirsch, Die Lehre von der Gemeinschaft der Heiligen, 1900). Para o restante, podemos somente notar que a palavra "católica", que aparece primeiro em Niceta, é tratada separadamente; e que "remissão dos pecados" é provavelmente para ser entendida primariamente como o batismo e que deveria ser comparada com o "um só batismo para a remissão dos pecados" do Credo Niceno.

Uso e autoridade do Credo

Como já indicado, devemos nos voltar para o ritual do Batismo para encontrarmos o mais primitivo e importante uso do Credo dos Apóstolos. É altamente provável que originalmente o Credo não fosse nada mais que a profissão de fé no Pai, no Filho e no Espírito Santo da fórmula batismal. O cerimonial plenamente desenvolvido que encontramos no Ordo Romanus VIII, e no Sacramentário Gelasiano, e que provavelmente representava a prática do séc. V, indica um dia especial para o "escrutínio", para a entrega do Credo (traditio symboli), e outro, imediatamente antes da administração do Sacramento, para a redditio symboli, quando o neófito dava prova de sua capacidade recitando o Credo em voz alta. Uma admoestação acompanhava a traditio e num importante artigo, Dom de Puniet (Revue d'Histoire Ecclesiastique, Outubro, 1904) mostrou recentemente que esta admoestação é quase certamente uma composição de São Leão Magno. Além disso, três questões (interrogationes) eram postas ao candidato no momento do batismo, as quais eram apenas um sumário da forma mais antiga do Credo. Tanto a recitação do Credo quanto as questões ainda estão presentes no Ordo baptizandi de nosso atual Ritual Romano; enquanto o Credo em forma interrogativa aparece também na Celebração do Batismo do "Book of Common Prayer" anglicano. Fora da administração do batismo, o Credo dos Apóstolos é recitado diariamente na Igreja, não somente no início de Matinas e Prima, e no fim das Completas, mas também ferialmente no decurso de Prima e Completas. Vários sínodos medievais ordenam que deva ser aprendido por todos os fiéis, e há uma grande quantidade de evidências que mostram que, mesmo em países com Inglaterra e França, ele era originalmente aprendido em latim. Como resultado desta íntima associação com a liturgia e com o ensinamento da Igreja, sempre se considerou o Credo dos Apóstolos como tendo a autoridade de uma afirmação ex cathedra. Ensina-se comumente que todos os pontos de doutrina contidos nele são parte da Fé Católica, e que não podem ser postos em questão, sob pena de heresia (São Tomás, Summa Theologica, II-II:1:9). Daí os católicos terem geralmente se contentado em aceitar o Credo na forma e no sentido em que tem sido oficialmente exposto pela viva voz da Igreja. Para os protestantes que somente o aceitam naquilo que ele representa como ensino evangélico da Era Apostólica, tornou-se um assunto de suprema importância investigar sua forma e sentido original. Isto explica a quantidade preponderante de pesquisas devotadas a este assunto entre os acadêmicos protestantes, se comparada às contribuições de seus rivais católicos.

Fonte: Thurston, Herbert. "Apostles' Creed." The Catholic Encyclopedia. Vol. 1. New York: Robert Appleton Company, 1907. Disponível em http://www.newadvent.org/cathen/01629a.htm.

***

O texto oficial latino do Símbolo Apostólico, como empregado na Liturgia, e sua tradução brasileira

Credo in unum Deum,
Patrem omnipotentem, Creatorem caeli et terrae,
Et in Iesum Christum, Filium eius unicum,
Dominum nostrum,
qui conceptus est de Spiritu Sancto,
natus ex Maria Virgine, 
passus sub Pontio Pilato,
crucifixus, mortuus et sepultus,
desdendit ad inferos,
tertia die resurrexit a mortuis,
ascendit ad caelos, 
sedet ad dexteram Dei Patris omnipotentis,
inde venturus est iudicare vivos et mortuos.
Credo in Spiritum Sanctum, 
sanctam Ecclesiam catholicam,
sanctorum communionem, 
remissionem peccatorum,
carnis resurrectionem,
vitam aeternam. Amen.


Creio em Deus Pai todo-poderoso,
criador do céu e da terra.
E em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor;
que foi concebido pelo poder do Espírito Santo;
nasceu da Virgem Maria;
padeceu sob Pôncio Pilatos,
foi crucificado, morto e sepultado.
Desceu à mansão dos mortos;
ressuscitou ao terceiro dia;
subiu aos céus;
está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso,
donde há de vir a julgar os vivos e os mortos.
Creio no Espírito Santo;
na santa Igreja católica;
na comunhão dos santos;
na remissão dos pecados;
na ressurreição da carne;
na vida eterna. Amém.

Dica de leitura

A imagem do início da postagem foi encontrada na obra "Facsimiles of the creed from early manuscripts", de 1909, de Andrew Ewbank Burn, teólogo anglicano.
O livro está disponível para leitura/download aqui (no Internet Archive, da Universidade da Califórnia).
Logo em seguida encontrei o Sacramentário Gelasiano, dito Gellonense, com imagens coloridas de seus fólios, no site da Biblioteca Nacional da França. É bastante interessante. Clique aqui para ir direto ao fólio 181, onde está o Credo.


Por Luís Augusto - membro da ARS

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