O Mês Mariano na Matriz do Amparo há 130 anos atrás...

Pax et bonum!
Alleluia!
Salve Maria!

Encontramos um curioso relato sobre as celebrações alegres e solenes do mês de maio do ano de 1884, na Matriz de Nossa Senhora do Amparo. Nesta época, a cidade e a Matriz não tinham completado ainda seus 32 anos.
O relato encontra-se no periódico A EPOCA, na edição de 07/06/1884. Por ele vemos o zelo e a piedade de nosso povo no que diz respeito às celebrações em honra da Virgem Maria, Mãe de Deus.
Ajude-nos Deus para que não nos falte a preocupação exterior pelo culto e muito menos a imitação das virtudes da clemente, piedosa e doce Virgem Maria.
***

[Transcrição para a grafia moderna]
A ÉPOCA
ÓRGÃO CONSERVADOR
ANO VII, N. 308
PIAUÍ - Teresina, 7 de junho - 1884

SEÇÃO PARTICULAR
O Mês Mariano

ÀS EXCELENTÍSSIMAS CANTORAS DA IGREJA DE NOSSA SENHORA DO AMPARO

Sempre que o regulador público anunciava 7 horas da noite estávamos em frente de uma praça.
Era a praça da "Constituição", o centro oficial teresinense.
Aquela hora tudo ali deslumbrava, tudo atraía, tudo parecia divino e celeste.
Ao oriente, como que mirando-se no grande espelho das águas cristalinas do majestoso Parnaíba, via-se toda cheia de pompa e magnificência uma filha mimosa e dileta da nossa engenhosa arquitetura.
Era a igreja do Amparo,  que se mostrava com todo o seu esplendor.
Ao derredor de seu adro viam-se aqui e ali dispostos simetricamente, viridentes patyseiros (nota: termo desconhecido) com elegantes arcadas, ornadas da mais bela e deslumbrante iluminação.
A um lado dessas arcadas, no vértice do ângulo mais exterior da parte esquerda do templo, em um pequeno coreto decentemente preparado, faziam-se ouvir os doces acordes ou melodiosas sinfonias da banda de música do corpo policial.
A parede da frente da igreja, primorosamente iluminada, devia por força ter muita semelhança com a parte da abóbada celeste habitada pela constelação Órion.
Ali cada um bico de luz representava uma estrela cintilante do brilho e força da formosa Rígel (nota: estrela supergigante azul situada na constelação acima mencionada).
Eis em traços rudes a descrição da parte exterior do templo.
Agora transportemos os umbrais de suas sagradas portas e analisemos ligeiramente o que vemos lá por dentro, onde, ao trescalar do perfume das flores e incenso que ardia no turíbulo, desfazendo-se em ondas de alvacento fumo, girava uma atmosfera impregnada de um hálito puro e santo desprendido de lábios sedutores de donzelas.
Ali o engenho, o artifício e o gosto em tudo se revelavam e tudo transformavam.
Até mesmo as trevas da noite dissipadas pelo clarão das luzes, pareciam querer zombar do rosicler de uma aurora que sorrindo despontasse no meio de um prado revestido de frescas e mimosas boninas (nota: a mesma planta é chamada de boas-noites).
Do coro partiam vozes harmoniosas - verdadeiros cantos angelicais - que, envolvidos em uma atmosfera de perfumes virginais, se elevavam uníssonos aos pés da Mãe de Deus.
É que esses cânticos sonoros, esses cânticos sobrenaturais que tinham a força de pôr em verdadeiro e profundo êxtase centenas de fiéis, fazendo seus espíritos arrebatados errarem pela amplidão do espaço, eram hinos divinais entoados por anjos terrestres em honra de Maria.
Ao terminar a cerimônia religiosa de cada dia, retirava-se o povo para o adro da Igreja, onde aos pálidos raios de um soberbo luar, ao rebumbar dos foguetes e ascensão de balões, reinava um geral contentamento, traduzido pelo riso fugaz que osculava a flor dos lábios de cada um.
No meio daquela animada profusão de moços e moças - flores olentes do adro - ao som do solo de uma linda e bem executada valsa, conversavam e brincavam sempre e discretamente dois amantes apaixonados: - amor e poesia.
Assim correu todo o mês de maio na Igreja de N. S. do Amparo, até que no dia 1o do corrente mês, às 5 horas da tarde, uma solene e pomposa procissão veio terminar a festa.
Ainda aí tivemos de admirar o gosto aprimorado da toilette (nota: espécie de vestido e seus acessórios) das Amparistas.
Seus vestidos, brancos como neve, eram em geral enfeitados de ramos artificiais de flores de laranjeira, tendo a maior parte delas a franzina cintura ligeiramente apertada por um corpinho de azul celeste e transparente, e as espaçosas frontes cingidas com grinaldas de flores de laranjeira.
A uniformidade das toilettes, a boa ordem que sempre reinou, tudo atestava sobejamente a união das Amparistas que, durante o longo trajeto da procissão, auxiliavam-se mutuamente na condução do andor da Santíssima Virgem. Este primava pela beleza e elegância de seus ornatos e podemos garantir que, ao seu gênero, nunca vimos outro tão ricamente preparado.
Agora que vamos terminar a nossa descrição, impõe-nos o dever a rigorosa obrigação de redermos uma homenagem às pessoas que mais concorreram para o brilhantismo e pompa do festejo; desejamos que as nossas palavras, que são um mero preito à verdade, não vão ofender a modéstia dessas mesmas pessoas, por isso que não é esta a nossa intenção.
O Revmo. Sr. cônego Honório Saraiva e as Exmas. cantoras - eis o herói e as heroínas da festa, eis finalmente as pessoas a quem temos a honra de apresentar os nossos respeitos e homenagens.
"E vós, amáveis donzelas, mimosas pupilas do Senhor, perdoai-nos a imprudência que tivemos de sairmos de nossa obscuridade, para vos dedicarmos, sem o vosso consentimento, um instante de nossa vida ignorada".

Junho, 3 de 1884.

Sófocles.


Por Luís Augusto - membro da ARS


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