19 de maio - Fr. Daniel de Samarate - o "Damião de Veuster" adotado pelo Brasil

Pax et bonum!

Estamos na Oitava de Pentecostes ou, segundo o calendário da Forma Ordinária, de volta ao Tempo Comum.
Estamos ainda com recordações vivas dos últimas dias pascais, desde a Solenidade da Ascensão do Senhor.
E ainda segue o Ano da Misericórdia.
Passamos um bom tempo sem postagens no blog, algo que lamentamos. Voltamos há poucos dias com uma postagem sobre a Ressurreição do Senhor, o Tempo Pascal.
Hoje queremos fazer jus ao que diz o Salmo 111:
Como luz, se eleva, nas trevas, para os retos, o homem benfazejo, misericordioso e justo.
Feliz o homem que se compadece e empresta, que regula suas ações pela justiça.
Nada jamais o há de abalar: eterna será a memória do justo.
Não temerá notícias funestas, porque seu coração está firme e confiante no Senhor.
Sim, queremos ajudar a manter viva e brilhante a memória do justo. Hoje, 19 de maio, este justo em particular não é nenhum dos santos que já honramos na data hodierna e que constam no Martirológio Romano. Trata-se de um frade capuchinho italiano, que, missionário, viveu e morreu no Brasil, entre o Nordeste e o Norte.

Há 92 anos atrás morria Fr. Daniel de Samarate, OFMCap (15/06/1876 ~ 19/05/1924). Não tinha 48 anos. Missionário ardoroso, entregou a alma bela, pura, santa, estando carcomido pela lepra.
Mas quem é este que, mesmo aqui no Nordeste, parece tão pouco conhecido? Quem sabe, a ignorância a que me refiro seja somente minha... Contudo, realmente este grande homem parece merecer ser muito mais conhecido em nosso Nordeste, em nosso País. E é com alegria que tentaremos impulsionar este nome que, Deus sabe quando, virá precedido de um "São" e seguido de um "Rogai por nós".

Origens
Felice Rossini nasceu em Samarate (cidade da Província de Varese, região da Lombardia, no norte da Itália), em junho de 1876.
Placa na casa em que nasceu Felice Rossini, em Samarate.
Esta década do séc. XIX viu o Concílio Vaticano I, a tomada de Roma, a unificação italiana, a invasão dos domínios eclesisásticos e o fim dos Estados Pontifícios. Estávamos no pontificado do Bem-aventurado Pio IX, o Papa da proclamação do Dogma da Imaculada Conceição da Virgem Maria.
Vivia-se em várias partes do mundo um clima anticlerical, baseado no liberalismo maçônico.
O menino Felice, cujos pais se chamavam Pasquale e Giovanna, nasceu em simplicidade e pobreza, no seio de uma piedosa família.

Vocação e missão
Aos 14 anos deseja seriamente fazer-se frade menor capuchinho. É, pois, a 12/01/1890 que o jovem Felice ingressa no convento, para viver sob a regra destes filhos de São Francisco de Assis. 
Nesta mesma época, ainda era uma criancinha o pequeno Francesco Forgione que, na mesma Ordem, veio a se tornar o mundialmente venerado São Padre Pio de Pietrelcina.
Nosso jovem capuchinho, que tomou para si o nome de Daniel, foi considerado por contemporâneos como um modelo de clérigo estudante capuchinho. Ressaltam sua paixão pela oração, sua pronta obediência, sua firme observância da Regra, seu espírito de liderança, seu empenho nos estudos e sua alegria.
Em maio de 1898, em Milão, presenciou os eventos sociais que levaram à repressão comandada pelo General Bava-Beccaris. Ao que parece, nosso frade e outras pessoas quase entraram no número dos que morreram naquela ocasião.
Nessa época, Fr. Daniel conheceu o superior das missões no Brasil, Pe. Fr. Rinaldo. Fascinado, sem medo das dificuldades da missão, obtém permissão e parte, a 08/08/1898, para o Brasil, com outros três frades.

Na Terra de Santa Cruz
Nosso país tinha cerca de dez anos de quando sofreu o golpe que instaurou a República e expulsou a Família Imperial.
Fr. Daniel e seus companheiros desembarcam no fim do mês (agosto/1898) em Belém-PA, mas logo partem para o então verdadeiro destino: Canindé-CE, onde foi ordenado diácono em 02/10/1898. 
Este sertão cearense, esta cidade e o imponente Santuário de São Francisco das Chagas (como tão bem conhecido é lá o grande São Francisco de Assis), maior santuário franciscano das Américas, são um cenário bastante querido ao povo nordestino. A missão franciscana naquela região teve início ainda no séc. XVIII.
Santuário de São Francisco das Chagas, de Canindé-CE

No ano seguinte, na Solenidade de São José, a 19 de março, foi ordenado sacerdote na Catedral de Fortaleza-CE. Celebrará sua primeira Missa, porém, somente no dia 25, Solenidade da Anunciação do Senhor, na franciscana Canindé-CE.
Antiga Catedral de Fortaleza-CE
Uma missão particular
O jovem frade e sacerdote, por conta de suas qualidades, é enviado, em 1900, para uma nova missão: parte do sertão cearense para as florestas paraenses. É enviado para a cidade de Igarapé-Açu-PA, na região nordeste do estado, mais especificamente para o local conhecido como Colônia Agrícola de Santo Antônio do Prata, onde se trabalhava a educação e a evangelização de indígenas.
Foi nessa época, a 13/03/1901, ainda nos primeiros meses do séc. XX, que frades e freiras capuchinhos, junto com bem mais de uma centena de fiéis leigos, em Alto Alegre, no município de Barra do Corda-MA, foram assassinados por indígenas. Fala-se às vezes em influência maçônica por trás do episódio, conhecido como o Massacre de Alto Alegre.
Pintura retratando os mártires de Alto Alegre
Entenda-se, pois, que fazer missão entre os indígenas brasileiros, naquela época, à luz deste episódio, provavelmente tinha se tornado algo amedrontador e, portanto, que exigia coragem, sobretudo se o missionário era frade menor capuchinho, irmão de hábito dos mártires, entre os quais se conta exatamente o Fr. Rinaldo, superior da missão que nosso querido frade conheceu ainda na Itália.
Nosso frade, corajoso e forte, não só se manteve na missão, como teve que assumir a administração da Colônia, tendo somente 25 anos de idade.
Foi uma época de intensa atividade. Fr. Daniel muito teve que viajar para Belém, a capital, e conseguiu implantar muitas melhorias na região, na área da agricultura e noutras. É da época a edificação da Igreja de Santo Antônio, onde certamente o santo sacerdote capuchinho ofereceu o Santíssimo Sacrifício da Missa incontáveis vezes.

Como deve ter se desgastado o padre capuchinho entre os afazeres da Colônia, das escolas, das capelas, das desobrigas... Ainda hoje é fácil verificar as muitas dificuldades em que estão metidos alguns "padres do interior". O que se dirá daquela época?

Leproso com os leprosos
Afirma-se, ainda hoje, que o problema da hanseníase nesse Estado brasileiro permanece algo sério, sendo que lá a média de casos da doença é consideravelmente maior que a média nacional.
Pois bem, foi por volta de 1909 que Fr. Daniel começou a citar algumas suspeitas e a falar de algum mal-estar. Lembra de ter sido chamado a ouvir a confissão de uma portadora de hanseníase, tem suspeitas, mas não sabe, não tem como saber quando foi infectado.
É 1909, Fr. Daniel completa 33 anos, os médicos indicam ser necessário tratar-se na Europa, e ele partirá para a Itália. A insensibilidade à dor já está presente. A doença faz seu caminho, lentamente.

A graça de conformar-se à vontade de Deus
Em agosto viaja. Passa pela Espanha, passa pela França. Em Lourdes, nosso santo frade visita a Gruta das Aparições. Fr. Daniel rezou com fé à Virgem Maria, banhou-se na piscina milagrosa, juntou-se aos enfermos numa procissão eucarística e, ajoelhado para receber a bênção do bispo que levava o ostensório, clamou instintivamente com as palavras do leproso do Evangelho: "Senhor, se quiserdes, podeis curar-me" (Mt 8,2).
Neste momento, acontece um fato que é um marco na vida do nosso protagonista. Ele percebe uma voz interior, misteriosa e bem sensível ao coração dizendo-lhe: "Não quero. Vai em paz. Receberás outra graça. A tua doença será para a maior glória de Deus e para teu maior bem espiritual".
Ajoelhou-se o enfermo que, esperançoso, pediu a Deus a cura. Ergueu-se um novo homem, uma nova criatura, com um senso de indizível conformidade, cheio mesmo de alegria, de duradoura serenidade e que nunca mais elevou a Deus uma prece pela cura da doença. Fr. Daniel bendisse a Deus por tê-lo premiado com a lepra.
Na Itália, passa por Milão e, de lá, mandam-no para Roma. É aí que lhe é dado o diagnóstico inevitável: é lepra. Se poderia haver ainda alguma dúvida, estas se esvaem aí.
Em Roma visitou as catacumbas e foi recebido duas vezes pelo Papa, o grande e santo Pio X.
Ainda visitou Assis, onde celebrou a Santa Missa sobre a tumba de São Francisco no dia 04/10/1909.
Em 14/11 retorna para o Brasil.

Os últimos 15 anos
No ano seguinte é enviado para o Retiro de Santo Isidoro. Ainda administra os trabalhos da Colônia, mas um pouco distante, um pouco separado.
No dia 31/01/1913 tem de deixar a Colônia do Prata. Os superiores transferem-no para São Luís-MA. Nesta época terá escrito numa carta: "Deus tudo dispõe suavemente e não será um religioso a subtrair-se à sua vontade".
Morou poucos meses no Anil e em dezembro foi enviado novamente para o Pará.
Em Belém morou também apenas alguns meses no convento. Com quanta dor, em abril de 1914, aos 37 anos, teve que partir para definitivamente encerrar-se no Retiro São Francisco, junto ao Leprosário do Tucunduba. Poderia ter ido morar num hospital de Pernambuco, que lhe teria sido mais cômodo, mas quis ir para o citado leprosário, unicamente com a intenção de empregar sua atividade apostólica em prol do bem espiritual daquelas almas abandonadas. Pe. Fr. Daniel já conhecia a situação dos portadores de hanseníase no Pará.

No leprosário, onde havia cerca de 300 doentes, foi inicialmente tratado como inimigo, intruso. Pouco a pouco é que foi ganhando a confiança e a estima dos seus irmãos de chagas, pouco a pouco foi transformando aquele lazareto num verdadeiro oásis cristão.
Encontrou ainda muitas dificuldades, mas seguiu o calvário da lepra como pastor zeloso daquelas almas.
Celebrou com imensa alegria, já bastante debilitado e macerado pela doença, seus 25 anos de sacerdócio, em 1924.
Em abril do mesmo ano, porém, já não poderá mais celebrar o Santo Sacrifício.
De seu doloroso leito, continuará consumindo sua vida até às 14h30 do dia 19 de maio do mesmo ano, 1924, quando entregará sua alma ao Deus amado.
35 anos antes, entregava a alma a Deus o sacerdote missionário belga São Damião de Veuster, que igualmente consumiu sua vida, feito também vítima da mesma doença, no cuidado dos leprosos da ilha de Molokai, no Havaí.

Que este grande mártir da caridade, apóstolo dos leprosos, grande glória da pequena Samarate, honra dos capuchinhos, alegria de tantos fiéis do norte e nordeste brasileiro, esteja, junto de São Francisco, de São Padre Pio e de São Damião de Veuster, rogando por todos nós, ajudando-nos a realizar as obras que agradam a Deus e que tornam a fé viva.

Bendito seja Deus pelo caridoso e pobre sacerdote, Fr. Daniel de Samarate!

Servo de Deus Fr. Daniel, rogai por nós!

Obs: Recomendamos vivamente a leitura de todas as páginas em português e em italiano que constam no site http://www.padredanieledasamarate.it/indexbr.htm, donde tiramos praticamente todo o conteúdo desta postagem.

Ao ler esta postagem, eleve a Deus uma prece em sufrágio da alma de Fr. Apolonio Troesi, frade que foi vice-postulador da Causa de Beatificação de Fr. Daniel e que faleceu recentemente, no dia 09/05.

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