Vivência do Advento - Tempo de Espera e Esperança

[O texto abaixo foi preparado como formação para a Paróquia Nossa Senhora de Nazaré (Bela Vista, Teresina, Piauí), a qual foi ministrada na manhã desta Solenidade de Cristo Rei de 2021.]

Iluminura contendo parte da Antífona de Entrada do I Domingo do Advento

I. Analisando as palavras


Comecemos esta formação compreendendo mínima e superficialmente cada uma das palavras do tema.

Numa simples definição de dicionário, vivência quer dizer processo ou manifestação de estar vivo [1] e vivo é aquilo que vive, que tem vida [2], que não está morto. Assumiremos este ter vida sob outra perspectiva mais à frente.

O dicionário diz-nos que advento é a chegada, a vinda, a aproximação, o aparecimento de alguma coisa. Obviamente também indica que, no contexto religioso, Advento é o período de quatro semanas que precedem o Natal [3].

Tempo é uma série de instantes, medida de duração das coisas, prazo, como o define o dicionário [4].

Ainda folheando o dicionário, espera é o mero ato de esperar, aguardar algo ou alguém [5].

Enfim, a esperança seria, ainda segundo a mesma fonte, a disposição do espírito que induz a esperar que uma coisa se há de realizar ou suceder. Acrescenta-se, no sentido religioso, que ela é uma das virtudes teologais [6].

Trataremos do Advento sob a tripla perspectiva utilizada na Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, do Papa Bento XVI, para tratar da Santíssima Eucaristia: crer, celebrar e viver. Na verdade, esta divisão é bem mais antiga e costuma reger o catecismo e os demais materiais de formação cristã, abordando a Profissão de Fé (Credo), os Meios de Santificação (Liturgia e oração) e a Moral (Mandamentos).


II. O Advento e o Crer


O Concílio Vaticano II (celebrado na década de 60 do século passado), na sua Constituição sobre a Sagrada Liturgia, afirma que os homens, antes de poderem participar na Liturgia, precisam de ouvir o apelo à fé [7]. Também afirma que os Sacramentos supõem a fé [8]. É por esta razão que é oportuno, antes de tratarmos das questões litúrgicas do Advento, entendermos bem as verdades de fé que são enfatizadas neste Tempo.

Recorramos ao Missal Romano para encontrar tais verdades: O Tempo do Advento possui dupla característica: sendo um tempo de preparação para as solenidades do Natal, em que se comemora a primeira vinda do Filho de Deus entre os homens, é também um tempo em que, por meio desta lembrança, voltam-se os corações para a expectativa da segunda vinda do Cristo no fim dos tempos. Por este duplo motivo, o Tempo do Advento se apresenta como um tempo de piedosa e alegre expectativa [9].

No Símbolo Apostólico, estas duas verdades estão professadas quando dizemos: Creio... em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Espírito Santo; nasceu da Virgem Maria; ...está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso, de onde há de vir a julgar os vivos e os mortos.

Em tempos modernos, após o Concílio Vaticano II, São Paulo VI proferiu uma Solene Profissão de Fé, em que explicita as mesmas verdades com as seguintes palavras: Cremos em Nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus. Ele é o Verbo eterno, nascido do Pai antes de todos os séculos e consubstancial ao Pai. Por Ele tudo foi feito. Encarnou por obra do Espírito Santo, de Maria Virgem, e se fez homem. Portanto, é igual ao Pai, segundo a divindade, mas inferior ao Pai, segundo a humanidade, absolutamente uno, não por uma confusão de naturezas (que é impossível), mas pela unidade da pessoa. ...Há de vir novamente, mas então com glória, para julgar os vivos e os mortos, a cada um segundo os seus méritos: os que corresponderam ao Amor e à Misericórdia de Deus irão para a vida eterna; porém os que os tiverem recusado até a morte serão destinados ao fogo que nunca cessará. E o seu reino não terá fim [10].

Nós cremos nisso? Reconhecemos Jesus de Nazaré como o Cristo, o Redentor, anunciado e esperado pelos judeus? Testemunhamo-lo como verdadeiro Deus e verdadeiro Homem? Confessamos que o Filho de Deus veio em humildade para salvar e que virá em glória para julgar? Acreditamos sinceramente que existe um prêmio ou castigo eterno a ser dado a cada ser humano?

Examinemo-nos e, se for preciso, voltemos ao anúncio da fé, voltemos à nossa própria evangelização, voltemos ao Catecismo.


III. O Advento e o Celebrar


O Tempo do Advento foi formado entre os séc. IV e VI e inaugura o ano litúrgico desde o séc. XI [11].

Ele começa com as I Vésperas do I Domingo do Advento (domingo mais próximo do dia 30 de novembro) e termina antes das I Vésperas do Natal do Senhor, sendo que os dias 17 a 24 visam de modo mais direto a preparação do Natal [12]. Portanto, é no cair da tarde de um sábado que a Igreja inicia um novo tempo, um novo ciclo, um novo ano.

É um Tempo de dupla espera, como vimos; espera piedosa e alegre. Um dos prefácios do Advento diz que nos encontramos vigilantes na fé [13]. Além disso, Igreja afirma que o Advento é tempo de espera, de conversão e de esperança [14], completando o nosso tema.

Exteriormente o Advento é marcado pelas seguintes características:

O uso da cor roxa nos paramentos, podendo ser usada a cor rosa no III Domingo;

A ausência do hino Glória (Missa) aos domingos;

O uso moderado de flores na ornamentação do altar e do órgão e outros instrumentos musicais, a fim de não antecipar a plena alegria do Natal do Senhor.

O Advento possui quatro Prefácios próprios: dois para serem usados até o dia 16 de dezembro, e dois para os dias 17 a 24. Tratam respectivamente das duas vindas de Cristo, da vinda de Cristo glorioso como Senhor e Juiz, das esperas pela manifestação de Cristo e da Virgem Maria como nova Eva, mãe de todos os homens, em que nos é restituída a graça tirada em Eva.

Sobressaem nas leituras as figuras de Isaías, São João Batista e a Santíssima Virgem Maria.

Quanto aos cantos para o Tempo do Advento, a regra a ser seguida é do Missal Romano para os cantos em geral:

Canto de Entrada: Pode utilizar-se ou a antífona com o respectivo salmo que vem no Gradual Romano ou no Gradual simples, ou outro cântico apropriado à ação sagrada ou ao caráter do dia ou do tempo, cujo texto tenha a aprovação da Conferência Episcopal [15];

Canto de Preparação das Oferendas: As normas para a execução deste cântico são idênticas às que foram dadas para o cântico de entrada [16]; 

Canto de Comunhão: Pode utilizar-se ou a antífona indicada no Gradual Romano, com ou sem o salmo correspondente, ou a antífona do Gradual simples com o respectivo salmo, ou outro cântico apropriado aprovado pela Conferência Episcopal [17].

Entra aqui a importância do conhecimento da tradição musical do Rito Romano. De um modo geral, cada Missa tem seus cânticos próprios previstos, estando os textos (antífonas) no Missal e as melodias oficiais (canto gregoriano, em latim) no Gradual Romano ou no Gradual Simples (livro produzido a pedido do Concílio Vaticano II para uso nas igrejas menores), lembrando que o Canto Gregoriano é o supremo modelo de música sacra [18], como disse São Pio X e recordou São João Paulo II [19]. Além dessas primeiras opções oficiais, estão os cantos aprovados pela Conferência Episcopal. No caso do Brasil, deve-se entender aqui o Hinário Litúrgico da CNBB. Atualmente, a CNBB compartilha gratuitamente na web os áudios e partituras cifradas dos cantos para a Santa Missa de cada domingo e festa do ano no site https://materiais.edicoescnbb.com.br/partituras-e-folhetos.

As chamadas partes fixas (conjunto que também se encontra nos livros oficiais de canto sob o nome de Kyriale, ou seja, Kyrie (Senhor), Gloria (Glória), Credo (Creio), Sanctus (Santo), Agnus Dei (Cordeiro de Deus)) normalmente devem ter estilo parecido. Há opções no Gradual Romano, no Gradual Simples, no Iubilate Deo (um livreto contendo os cantos gregorianos mais fáceis, uma espécie de repertório mínimo desejado pela Igreja) e no Hinário Litúrgico. Estas são as primeiras fontes em que se deve procurar o que cantar na Santa Missa.

Acrescentaria uma recomendação: a tradução brasileira do Missal Romano traz várias opções para a terceira fórmula de Ato Penitencial (uso de tropos, invocações) de acordo com o tempo litúrgico. O coro ou equipe de cantos pode combinar com o celebrante para explorá-las mais neste Tempo.

Por fim, ainda quanto à escolha dos cantos, a inspiração primordial e majoritária para os textos é a Sagrada Escritura. Até temos a seguinte norma, estabelecida pelo Concílio: Os textos destinados ao canto sacro devem estar de acordo com a doutrina católica e inspirar-se sobretudo na Sagrada Escritura e nas fontes litúrgicas [20].

Muitas pessoas poderiam se perguntar sobre uma outra característica exterior muito costumeira do Advento: a coroa do Advento. Segundo a Igreja, esta coroa de ramos verdes com quatro velas que se acendem progressivamente, é memória das diversas etapas da história da salvação antes de Cristo e símbolo da luz profética que ia iluminando a noite da espera até o amanhecer do Sol da justiça [21]. Ela se tornou um costume nos lugares cristãos, principalmente nas regiões da Alemanha e da América do Norte. Cabe lembrar, porém, que não se trata de um ornamento litúrgico, não possui rito oficial e nem mesmo é obrigatório ou oficialmente recomendado. Isto basta para que se entenda que a Santa Missa não é momento ideal para o acendimento das velas, o que mais convenientemente pode ser feito antes do início da celebração.

É comum ainda haver dúvidas sobre a ornamentação da igreja tendo em vista a futura e próxima celebração do Natal do Senhor, mais especificamente a montagem do presépio e o uso da árvore de natal. Como já dito, o tempo propício para isto, segundo o espírito da Liturgia, começa no dia 17 de dezembro. Podemos ainda acrescentar o exemplo dado pela Santa Sé, que todo ano realiza um momento especial de apresentação do presépio e iluminação da árvore de natal, na Praça São Pedro, numa quinta ou sexta-feira da I ou II semana do Advento (mais ou menos na primeira ou segunda semana de dezembro). Dentro da igreja a ornamentação não pode, como já dito sobre flores e instrumentos musicais, antecipar a plena alegria do Natal do Senhor.

O Advento traz-nos ainda uma Festa e uma Solenidade da Virgem Maria de grande importância: 08 de dezembro, Solenidade da Imaculada Conceição, e 12 de dezembro, Festa de Nossa Senhora de Guadalupe, Padroeira da América Latina, momentos que, mesmo parecendo quebrar a austeridade do Advento, devem ser celebrados e vividos à luz dele. Neste ano de 2021, ademais, a solenidade de 08 de dezembro marcará o encerramento do Ano de São José.

Ainda é louvável a celebração da Novena do Natal. E para abrir ao povo a riqueza da Liturgia das Horas, sobretudo recordando as conhecidas Antífonas Maiores ou do Ó (antífonas das Vésperas dos dias 17 a 24 de dezembro), seria muito recomendável a oração das Vésperas com o povo nesses dias, tendo em vista também o grande valor do Cântico Evangélico Magnificat (A minh’alma engrandece o Senhor), o cântico da Virgem Mãe à espera de seu filho.

Uma última proposta seria, segundo a possibilidade e conveniência, fazer uso da Bênção da mulher antes do parto, que pode ser dada a uma ou mais mulheres. Assim como os fieis acompanham, por assim dizer, a gestação do Filho de Deus encarnado no seio da Virgem Santíssima, e aguardam ansiosos a solene celebração do seu nascimento, certamente as fieis mães têm muito o que meditar a partir do mistério celebrado na Liturgia e podem haurir bom fruto desta bênção.

IV. O Advento e o Viver


Sabendo e professando as verdades de fé relativas a este tempo, e celebrando de forma digna, atenta e devota a Sagrada Liturgia, espera-se que o dia-a-dia de nossa vida não contradiga a fé e nem seja alheia à oração comum da Igreja, pois a liturgia dos sacramentos e sacramentais faz com que a graça divina (...) santifique todos os passos da vida dos fiéis que os recebem com a devida disposição [22]. Em suma, a Liturgia é a fonte donde provém toda a força vital da Igreja [23] e, portanto, de todo cristão.

A piedade popular, por causa de sua compreensão intuitiva do mistério cristão, pode contribuir eficazmente para salvaguardar alguns dos valores do Advento, ameaçados pelo costume de converter a preparação para o Natal numa "operação comercial", cheia de propostas vazias, procedentes de uma sociedade consumista.

A piedade popular percebe que não se pode celebrar o Nascimento do Senhor se não for num clima de sobriedade e de simplicidade alegre, e com uma atitude de solidariedade para com os pobres e marginalizados; a espera do nascimento do Salvador torna-a sensível ao valor da vida e ao dever de respeitá-la e protegê-la desde sua concepção; intui também que não se pode celebrar com coerência o nascimento daquele que "salvará o seu povo de seus pecados" (Mt 1,21) sem um esforço para eliminar de si o mal do pecado, vivendo na vigilante espera daquele que voltará no fim dos tempos [24].

Aquilo que se aprende na Liturgia convém que se manifeste também na igreja doméstica, na família católica. Tudo, portanto, que se falou sobre ornamentação da igreja e verdades de fé que são meditadas neste Tempo do Advento, aplica-se à ornamentação do lar cristão e à vida de oração da família.

Retomemos agora o que falamos no início da formação sobre vivência, manifestar que está vivo, ter vida. Esta vida para nós deve ser entendida primeiramente como a vida sobrenatural, a vida da alma, ou seja, o estar na graça de Deus. O Tempo de espera e esperança também é tempo de conversão. Sendo assim, o Advento é tempo propício para um recomeço através do Sacramento da Reconciliação.


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[1] Cf. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, Vivência.

[2] Cf. Idem, Vivo.

[3] Cf. Ibidem, Advento.

[4] Cf. Ibidem, Tempo.

[5] Cf. Ibidem, Espera.

[6] Cf. Ibidem, Esperança.

[7] Concílio Vaticano II, Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium, 9.

[8] Idem, 59.

[9] Missal Romano, Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário, 39.

[10] São Paulo VI, Solene Profissão de Fé (Credo do Povo de Deus), 11.12.

[11] Cf. Michel Pagiossi, Entrarei no Altar de Deus - Volume II, 92.94.

[12] Cf. Missal Romano, Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário, 40-42.

[13] Cf. Missal Romano, Ordinário da Missa, Prefácio do Advento I.

[14] Cf. Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Diretório sobre a Piedade Popular e a Liturgia, 96.

[15] Missal Romano, Instrução Geral sobre o Missal Romano, 48.

[16] Idem, 74.

[17] Ibidem, 87.

[18] São Pio X, Motu Proprio Tra le sollecitudini, 3.

[19] São João Paulo II, Quirógrafo no Centenário do Motu Proprio Tra le sollecitudini, 7.

[20] Concílio Vaticano II, Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium, 121.

[21] Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Diretório sobre a Piedade Popular e a Liturgia, 98.

[22] Concílio Vaticano II, Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium, 61.

[23] Cf. Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 219.

[24] Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Diretório sobre a Piedade Popular e a Liturgia, 105.

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