A Cátedra de São Pedro (22/02 - atrasado)

Neste artigo serão tratados:
  1. A Festa anual da Cátedra de Pedro (Cathedra Petri) em Roma
  2. A própria Cátedra
A Festa anual da Cathedra Petri em Roma

Desde os primeiros tempos a Igreja em Roma celebrava no dia 18 de janeiro a memória do dia em que o Apóstolo celebrou pela primeira vez com os fiéis da Cidade Eterna. De acordo com Duchesne e de Rossi, o “Martyrologium Hieronymianum” (manuscrito de Weissenburg) diz o seguinte: “XV KL. FEBO. Dedicatio cathedræ sci petri apostoli qua primo Rome petrus apostolus sedit” (15º dia antes das Calendas de Fevereiro, a dedicação da Cátedra de São Pedro Apóstolo, na qual Pedro Apóstolo sentou por primeiro em Roma). O manuscrito de Epternac (Codex Epternacensis) da mesma obra, diz brevemente: “cath. petri in roma” (a cátedra de Pedro em Roma).
Na sua forma presente (séc. IX) o “Martyrologium Hieronymianum” apresenta uma segunda festa da Cátedra de São Pedro em 22 de fevereiro, mas todos os manuscritos atribuem-na a Antioquia, não a Roma. Assim, o manuscrito mais antigo, o de Berne, diz: “VIII kal. mar. cathedræ sci petri apostoli qua sedit apud antiochiam”. O manuscrito de Weissenburg diz: “Natl [natale] sci petri apostoli cathedræ qua sedit apud antiocia”. Todavia, as palavras qua sedit apud antiochiam são vistas como uma adição posterior. Ambas as festas são romanas; na verdade, a de 22 de fevereiro era originalmente a mais importante. Isto está claro no Calendário de Filocalo redigido em 354, remontando ao ano de 311; ele não faz menção à festa de janeiro, mas assim fala da festa de 22 de fevereiro: “VIII Kl. Martias: natale Petri de cathedra” (8º dia antes das Calendas de Março, o aniversário [ou seja, a festa] da cátedra de Pedro). Foi somente depois da inserção de Antioquia nas cópias do “Martyrologium Hieronymianum” que a festa de fevereiro deu lugar, em importância, à festa de janeiro. A Igreja Romana, portanto, numa data antiga celebrava um primeiro e um segundo início do ofício episcopal de São Pedro em Roma. Esta dupla celebração era feita em dois lugares: na Basílica Vaticana e em um cemitério (coemeterium) na Via Salária. Em ambos os lugares se venerava uma cadeira (cathedra) que o Apóstolo usou como dirigente na assembleia dos fiéis. A primeira destas cadeiras ficou na Basílica Vaticana, na capela batismal construída pelo Papa Dâmaso; os neófitos in albis (com as túnicas batismais) eram levados do batistério até o papa sentado nesta antiga cátedra, e recebiam dele a consignatio, ou seja, o Sacramento da Confirmação. Faz-se referência a este costume numa inscrição de Dâmaso, que contém a seguinte linha: “una Petri sedes, unum verumque lavacrum” (uma Cadeira de Pedro e um verdadeiro lavacro/banho). Santo Enódio de Pávia (+521) fala sobre isto com as seguintes palavras (“Libellus pro Synodo”, perto do fim): “Ecce nunc ad gestatoriam sellam apostolicæ confessionis uda mittunt limina candidatos; et uberibus gaudio exactore fletibus collata Dei beneficio dona geminantur” (Eis que agora mandam os candidatos do limiar das águas para a cadeira móvel da confissão apostólica; e transbordantes de lágrimas de alegria, recebem em dobro os dons do benefício de Deus). Enquanto, portanto, na abside da Basílica Vaticana havia uma cátedra onde o papa sentava em meio ao clero romano durante a Missa pontifical, havia outra no mesmo edifício, de onde o papa administrava aos neófitos o Sacramento da Confirmação. A Cadeira de São Pedro na abside era feita de mármore e foi construída na parede, a do batistério era móvel e podia ser carregada. Enódio chama a última de gestatoria sedes; no decorrer da Idade Média ela sempre era trazida no dia 22 de fevereiro do supracitado consignatorium ou lugar da confirmação até o altar-mor. Neste dia o papa não usava a cátedra de mármore na abside, mas sentava na cátedra móvel que era, consequentemente, feita de madeira. A importância desta festa foi aumentada pelo fato de que o dia 22 de fevereiro era considerado o aniversário do dia em que Pedro, no Mar de Tiberíades, deu testemunho da Divindade de Cristo e novamente foi apontado por Cristo para ser a Pedra de sua Igreja. De acordo com antigas liturgias ocidentais, 22 de fevereiro era o dia “quo electus est 1. Petrus papa” (em que Pedro foi primeiramente eleito papa). A Missa desta festa refere-se a ela nestes termos: “solemnitatis prædicandæ dies præcipue nobilis in quo... beatus Bar-Jona voce Redemptoris fide devotâ prælatus est et per hanc Petri petram basis ecclesiæ fixus est”, ou seja, o dia particularmente nobre no qual o Bem-aventurado Bar-Jonas, por sua fé devota, recebeu a honra prelatícia pela voz do Redentor e em que foi fixado o fundamento da Igreja por esta pedra de Pedro. E a Oratio (Coleta) diz: “Deus, qui hodiernâ die beatum Petrum post te dedisti caput ecclesiæ, cum te ille vere confessus sit” (Ó Deus, que hoje destes Pedro como cabeça da Igreja depois de vós, ao vos confessar na verdade, etc.).
Da segunda das cadeiras mencionadas faz-se referência, por volta do ano 600, por um Abade Johannes. Ele foi designado pelo Papa Gregório Magno para recolher, em pequenos frascos especiais, óleo das lâmpadas que ardiam junto às sepulturas dos mártires romanos para a rainha da Lombardia, Theodolinda. De acordo com a lista manuscrita desses óleos preservados no tesouro da catedral de Monza, Itália, um dos vasos continha a indicação: “oleo de sede ubi prius sedit sanctus Petrus” (óleo da cadeira onde São Pedro primeiro sentou). Outras autoridades antigas descrevem o lugar como “ubi Petrus baptizabat” (onde Pedro batizava), ou “ad fontes sancti Petri; ad Nymphas sancti Petri” (às fontes de São Pedro, às águas de São Pedro). Originalmente este lugar foi situado no coemeterium majus (cemitério principal) na Via Nomentana; sabe-se hoje que estava certamente na Via Salária, e que estava ligado ao coemeterium, ou cemitério, de Priscilla e da villa dos Acilii (Acilii Glabriones), situada sobre esta catacumba. Os alicerces desta villa, mostrando uma antiquíssima alvenaria (opus reticulatum), ainda existe. Tanto a villa quanto o cemitério, em uma de cujas câmaras funerárias estão vários epitáfios de membros da família, ou da gens, dos Acilii, pertencem à Era Apostólica. É mais provável que Priscilla, que deu o nome à catacumba como fundadora, tenha sido esposa de Acilius Glabrio, executado sob Domiciano. Dificilmente há alguma dúvida de que o lugar, “ubi prius sedit sanctus Petrus, ubi Petrus baptizabat” (onde São Pedro primeiro sentou, onde São Pedro batizava), deveria estar situado, não num cubiculum (câmara) subterrâneo nas catacumbas, mas num oratório sobre o solo. Pelo menos nada foi achado na parte mais antiga do cemitério de Priscilla, agora totalmente excavado, que se refira à cátedra, ou cadeira.

A festa da Cathedra Petri era celebrada na Via Salária em 18 de janeiro; na Basílica Vaticana era observada a 22 de fevereiro. É fácil acreditar que depois do triunfo do Cristianismo o festejo possa ter sido celebrado com maior pompa na magnífica basílica erigida por Constantino Magno sobre a confessio (o túmulo de Pedro), do que numa capela tão distante da cidade, na Via Salária. Esta poderia ainda contar com a vantagem de ter sido onde São Pedro primeiramente exerceu o ofício episcopal em Roma (“ubi prius sedit sanctus Petrus”, como escreveu o Abade Johannes, ou “qua primo Rome petrus apostolus sedit”, como lemos no “Martyrologium Hieronymianum” no dia 18 de janeiro). Este duplo festejo da Cátedra de São Pedro é atribuído a um longo tempo em que o Apóstolo esteve ausente de Roma. Como, entretanto, o local, “ubi s. Petrus baptizabat, ubi prius sedit” ficava distante da cidade, é natural pensar que a segunda festa da cathedra esteja ligada à criação de uma capela para o culto cristão na própria cidade.

A própria Cátedra
Os godos, que conquistaram e pilharam Roma em 410, avançaram contra a cidade pela Via Salária e pela Via Nomentana; as mesmas estradas foram percorridas mais tarde nos séc. VI e VII pelos invasores germânicos do território romano. Não apenas as igrejas, mas até os cemitérios nestas passagens estavam facilmente entregues ao saque e à devastação. Nós temos visto, ademais, que por volta do ano 600 uma lâmpada ardia no lugar “ubi prius sedit sanctus Petrus”. Se a cátedra original do Apóstolo ainda esteve lá naquele tempo, ela teria sido salva da destruição na pilhagem que não poupou os sarcófagos nas catacumbas? As palavras do Abade Johannes, “oleo de sede, ubi prius sedit sanctus Petrus”, parecem deixar certa dúvida. O fato, evidenciado pelos martirológios, que pelo séc. IX uma das duas festas da cathedra romana deu lugar a Antioquia, mostra que a cathedra da Via Salária deve ter sido perdida entre os séc. VI e VII.
Igreja de Santa Pudenciana
Chegamos à questão, onde estava originalmente a cátedra exibida e venerada na Basílica Vaticana durante o séc. IV? Por força de uma antiga tradição costumou-se apontar a Igreja de Santa Pudenciana como o lugar onde, na casa do suposto senador Pudens, o dois grandes Apóstolos não só foram recebidos com hospitalidade, como também celebraram ofícios cristãos. Mas a lenda relativa a Santa Pudenciana não oferece garantia suficiente para a teoria de que esta igreja era a catedral e a residência dos papas antes de Constantino. No fim de sua Epístola aos Romanos (16, 5), São Paulo menciona um lugar onde eram feitas as celebrações religiosas, a casa de Áquila e Prisca (ten kat oikon auton ekklesian — agora Santa Prisca no Aventino). Áquila e Prisca estão entre os primeiros a quem o Apóstolo envia saudações. A conexão de Áquila com a Catacumba de Priscilla ainda é mostrada pelos epitáfios daquele local de sepultamento.
Igreja de Santa Prisca
Em 1776 foi excavada no Aventino, próximo à presente igreja de Santa Prisca, uma capela com afrescos do séc. IV; nestes afrescos ainda eram reconhecíveis pinturas dos dois Apóstolos. Entre as ruínas ainda foi encontrado um vidro dourado com as figuras de Pedro e Paulo. A festa de dedicação desta igreja (um ponto importante) ainda cai no mesmo dia que a festa da cátedra em 22 de fevereiro; esta igreja, portanto, continuou a celebrar a tradicional festa mesmo depois da destruição do objeto do qual ela nasceu. Na cripta de Santa Prisca vê-se um capitel escavado, trazendo em letras do séc. XIII a inscrição: BAPTISMUS SANCTI PETRI (Batismo de São Pedro), sem dúvida um eco de uma antiga tradição da administração do batismo por Pedro neste lugar. Assim, nós juntamos uma série de considerações que tornam provável que o lugar “ubi secundo sedebat sanctus Petrus” (onde São Pedro esteve sentado pela segunda vez), deve ser situado na presente igreja de Santa Prisca; em outras palavras, que a cátedra referida por São Dâmaso foi mantida lá no período anterior a Constantino. Foi lá, consequentemente, que foi celebrado o “natale Petri de cathedrâ”, estabelecido em 22 de fevereiro nos calendários que iniciam com o ano 354. Segue-se também que esta é a cátedra referenciada no mais antigo testemunho que fala da cadeira de onde Pedro ensinou em Roma. O poema (do séc. III), “Adversus Marcionem”, diz (P.L., II, 1099):

Hâc cathedrâ, Petrus quâ sederat ipse, locatum
Maxima Roma Linum primum considere iussit.

(Nesta cátedra, onde Pedro mesmo sentou,
a grande Roma por primeiro pôs a Lino e fê-lo sentar.)

Ademais, São Cipriano, escrevendo por volta do ano 250, durante a vacância da sé após a morte do Papa São Fabiano, descreve como segue: “Cum locus Fabiani, id est locus Petri et gradus cathedræ sacerdotalis vacaret” (quando esteve vacante o lugar de Fabiano, isto é, o lugar de Pedro e o degrau da cátedra sacerdotal). Mais cedo ainda, por volta do ano 200, Tertuliano escreve, em seu “De præscriptione hæreticorum”: “Percurre ecclesias apostolicas, apud quas ipsæ adhuc cathedræ apostolorum suis locis præsident. Si Italiæ adjaces habes Romam” (Visitai as igrejas Apostólicas nas quais as várias cátedras dos Apóstolos ainda presidem em seus lugares. Se estais perto da Itália, tendes a Roma).
A razão que levou o Papa Dâmaso a transferir a cathedra Petri de Santa Prisca para o Vaticano, pode-se entender facilmente, dadas as circunstâncias daquele tempo. A partir do reino do primeiro Constantino, o Latrão tornou-se a residência dos papas, e sua magnífica basílica a sua catedral, enquanto o vizinho batistério de Constantino servia para a solene administração do batismo nas vésperas da Páscoa. No meio século de 312 a 366 (ano da eleição de Dâmaso), a importância de Santa Prisca, de seu batistério e de sua cathedra deve ter naturalmente diminuído. Dâmaso certamente podia contar com a aprovação de Roma inteira quando transferiu a venerável relíquia Apostólica da pequena capela em Santa Prisca para seu próprio batistério no Vaticano, onde ela certamente permaneceu até a primeira metade do séc. VI, depois do que ela foi mantida em diferentes capelas da Basílica Vaticana. Durante a Idade Média era costume exibi-la anualmente aos fiéis; o papa recém-eleito era também solenemente entronizado nesta venerável cátedra, um costume que cessou quando se transferiu a capital papal para Avignon, no início do séc. XIV. A fim de preservar esta preciosa relíquia para a posteridade, Alexandre VII (1655-67) guardou a Cathedra Petri, segundo os projetos de Bernini, acima do altar da abside da Basílica de São Pedro, dentro de um enorme monumento de bronze [em forma de trono], sustentado por quatro Doutores da Igreja (Ambrósio, Agostinho, Atanásio, Crisóstomo. Daí em diante, por 200 anos, ela não foi exibida ao público. Em 1867, porém, na ocasião do 18º centenário do martírio dos dois grandes Apóstolos, ela foi exposta para a veneração dos fiéis. Naquele tempo os irmãos Alessandri fotografaram a cadeira. 
O assento tem cerca de 55cm de altura, and 88cm de largura; os lados tem cerca de 67cm de fundo; a altura do encosto até a base do triângulo na parte superior tem 1m e cerca de 5cm; a altura total da cadeira é de quase 1m e 40cm. De acordo com a verificação então feita por Padre Garucci e Giovanni Battista de Rossi, a porção mais antiga é perfeitamente uma cadeira plana de carvalho com braços e quatro pernas ligadas por barras cruzadas. A madeira está um tanto carcomida e pedaços foram cortados de várias partes em épocas diferentes, evidentemente como relíquias. À direita e à esquerda do assento estão fixados quatro anéis de ferro nas pernas, feitos para barras de transporte. Numa data posterior, talvez no séc. IX, esta famosa cadeira foi reforçada pelo acréscimo de pedaços de acácia. A última madeira tem embutida em si uma rica ornamentação de marfim. Para o adorno da frente do assento 18 pequenos painéis de marfim foram usados, nos quais foram gravados os trabalhos de Hércules e alguns animais fabulosos; era comum neste período ornamentar capas de livros e relicários com painéis de marfim ou pedras encravadas representando cenas mitológicas. O encosto está dividido por pequenas colunas e arcos com quatro áreas e termina no topo com um tímpano que tem por ornamento uma grande abertura circular entre outras duas menores. O tímpano é contornado por tiras de marfim em arabesco. No centro da tira horizontal a figura de um imperador está cravada no marfim; acredita-se que seja um retrato de Carlos, o Calvo. O arabesco de folhas de acanto preenchido com fantásticas representações de animais e a execução bruta do trabalho poderiam tornar o período deste imperador (884) uma data provável. O que ainda resta da cátedra antiga dificilmente permite uma opinião quanto à forma original. Em todo caso ela era uma pesada cadeira feita de peças planas e retas de madeira, de modo que ela não poderia ser considerada uma sella curulis de Pudens, como acreditava uma tradição anterior. Se os quatro anéis nos dois lados pertencem à cadeira original (Enódio de Pávia, por volta do séc. VI, usou o termo sedes gestatoria como uma expressão universalmente conhecida em referência a esta cátedra), então ela provavelmente era uma liteira (cadeira de transporte) comum, como se usava comumente na Roma antiga.


Waal, Anton de. "Chair of Peter." The Catholic Encyclopedia. Vol. 3. New York: Robert Appleton Company, 1908. 25 Feb. 2011 <http://www.newadvent.org/cathen/03551e.htm>.

Tradução por Luís Augusto - membro da ARS

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