04/12/13 - 50 anos da Sacrosanctum Concilium: "A sua Liturgia é como o Vaticano II desejou?"

Pax et bonum!

Para os amantes da Sagrada Liturgia, o dia de ontem teve peculiar importância: tratou-se do quinquagésimo aniversário da Constituição Conciliar sobre a Sagrada Liturgia - a Sacrosanctum Concilium (em latim aqui).
O bastante conhecido blog The New Liturgical Movement publicou um texto com pontos para uma reflexão profunda que se faz atualmente necessária.
Com permissão do autor, segue nossa tradução.

A sua Liturgia é como o Vaticano II desejou?
Por Peter Kwasniewski


Embora em anos recentes muito se tenha feito para difundir um conhecimento acurado do ensinamento do Concílio Ecumênico Vaticano II, ainda estamos a uma longa distância do desejo do Papa Bento XVI de que os fiéis, por toda parte, guiados por seus pastores, redescubram as riquezas dos dezesseis documentos conciliares. O Ano da Fé tornou-se um ano de descrença, humanamente falando, ao testemunharmos a abdicação quase sem precedentes do trono papal e a acensão de um novo papa, cujas palavras e ações têm sido interpretadas e mal interpretadas num vertiginoso redemoinho de atenção midiática que certamente não foi caracterizado por uma avaliação paciente da doutrina do último concílio ecumênico, muito menos da doutrina dos vinte concílios ecumênicos e da plenitude da Tradição que o precederam.
Hoje é o quinquagésimo aniversário da Sacrosanctum Concilium, a Constituição sobre a Sagrada Liturgia, promulgada pelo Concílio Vaticano II (em 04 de dezembro de 1963). Se posso tomar emprestada uma estratégia retórica do Pe. Fessio, aqui está como pareceria o cenário de sua liturgia local se todos nós estivéssemos seguindo, na letra, o ensinamento do Vaticano II:
1. A Eucaristia seria percebida por todos como um "sacrifício divino", no qual, como na própria Igreja, a ação está subordinada à contemplação (cf. SC 2). A Missa seria entendida como sendo, e seria chamada, de "santo sacrifício" (SC 7, 47, et passim) e a liturgia em geral "uma ação sagrada que supera todas as outras", cujo propósito é “a santificação do homem e a glorificação de Deus” (SC 10; cf. 112). De fato, a liturgia pareceria um saborear já, na terra, a liturgia celeste da nova Jerusalém (SC 8).
2. Os fiéis estariam bem catequizados e bem dispostos para receber os sacramentos frutuosamente (SC 11), e entenderiam a natureza da liturgia e como bem participar nela (SC 14), guiados pelo exemplo e pela instrução do clero (SC 16-19): "participem na ação sagrada, consciente, ativa e piedosamente, por meio duma boa compreensão dos ritos e orações" (SC 48). Dessa forma, eles seriam diferentes da maioria dos católicos de hoje, que, de acordo com várias pesquisas, não se dão conta de que a Missa é a re-presentação do Santo Sacrifício do Calvário ou de que a Eucaristia é o verdadeiro Corpo e Sangue de Jesus Cristo - e que também não cantam tanto, apesar de tanta insistência.
3. A liturgia pareceria tão católica quanto pareceu pelos séculos, já que "não se introduzam inovações, a não ser que uma utilidade autêntica e certa da Igreja o exija, e com a preocupação de que as novas formas como que surjam a partir das já existentes" (SC 23).
4. Os ministros ordinários seriam os únicos a realizar o que cabem a eles, enquanto o laicato faria aquilo que lhe diz respeito: "nas celebrações litúrgicas, limite-se cada um, ministro ou simples fiel, exercendo o seu ofício, a fazer tudo e só o que é de sua competência, segundo a natureza do rito e as leis litúrgicas" (SC 28; cf. 118).
5. Ninguém, "mesmo que seja sacerdote" jamais "por sua iniciativa, acrescentaria, suprimiria ou mudaria seja o que for em matéria litúrgica" (SC 22.3).
6. O uso da venerável língua latina seria uma ocorrência frequente e apreciada, já que "deve conservar-se o uso do latim nos ritos latinos" (SC 36.1). O vernáculo, claro, seria utilizado, mas apenas para certas partes da liturgia (SC 36.2), e o clero se lembraria do pedido do Concílio para que "se tomem providências para que os fiéis possam rezar ou cantar, mesmo em latim, as partes do Ordinário da missa que lhes competem" (SC 54).
7. As liturgias seriam frequentemente celebradas em sua forma mais nobre, ou seja, "de modo solene com canto" (SC 113). A maior parte do que seria cantado estaria estreitamente conectado aos textos atuais da Missa (cf. SC 112, 113) e a música serviria "quer como expressão delicada da oração, quer como fator de comunhão, quer como elemento de maior solenidade nas funções sagradas" (SC 112). Haveria um papel importante para os coros treinados ou schola, que preservam e fomentam o tesouro da música sacra - um tesouro de valor inestimável (SC 112, 114-115). O povo, por sua vez, cantaria aclamações, respostas, salmodia, antífonas e cantos - e todos observariam o silêncio reverente nos momentos adequados (SC 30). Nenhum dos textos dos cantos seria de forma alguma questionável do ponto de vista doutrinal, já que seriam tirados da Escritura ou da própria liturgia (SC 121).
8. Notavelmente, sendo o Canto Gregoriano "próprio da liturgia romana", ele teria, "na ação litúrgica, o primeiro lugar" (SC 116). Outras formas de música sacra não seriam excluídas - tais como, preeminentemente, a polifonia (ibid.). E, é claro, o órgão de tubos seria tido "em grande apreço" como "instrumento musical tradicional e cujo som é capaz de dar às cerimônias do culto um esplendor extraordinário e elevar poderosamente o espírito para Deus" (SC 120). Outros instrumentos só seriam usados se fossem "adaptados ou forem adaptáveis ao uso sacro, não desdigam da dignidade do templo e favoreçam realmente a edificação dos fiéis” (ibid.). Daí, instrumentos tais como piano, guitarra e bateria, que, no mundo ocidental, foram originados em conjuntos profanos e ainda estão associados a gêneros como jazz, folk e rock, nunca seriam usados para a música sacra. Nada disso é surpresa, já que os Padres Conciliares anunciaram seu propósito de permanecer "fiéis às normas e determinações da tradição e disciplina da Igreja, não perdendo de vista o fim da música sacra, que é a glória de Deus e a santificação dos fiéis" (SC 112).
9. A Comunhão sob as duas espécies seria rara - por exemplo, para religiosos neo-professos na Missa de sua profissão ou para os neófitos na Missa após o seu Batismo (SC 55). De modo semelhante, a concelebração seria relativamente rara (SC 57).
10. As Vésperas dos domingos seriam uma ocorrência semanal muito querida, para a qual acorreria grande número de fiéis: "Cuidem os pastores de almas que nos domingos e festas mais solenes se celebrem em comum na igreja as Horas principais, especialmente Vésperas. Recomenda-se também aos leigos que recitem o Ofício divino, quer juntamente com os sacerdotes, quer uns com os outros, ou mesmo particularmente" (SC 100).
11. O Ano Litúrgico seria de enorme importância para a vida da comunidade, marcado pela observância e promoção dos costumes e tradições de cada tempo (cf. SC 102-110). As imagens e as relíquias dos santos seriam honradas publicamente (SC 111). Os sacramentais e as devoções populares seriam abundantes, tais como as Procissões Eucarísticas, Adoração e Bênção do Santíssimo Sacramento, as Estações da Via Sacra, o Rosário, o Escapulário Marrom, e os costumes relacionados aos santos do dia, já que todas essas coisas aprofundam a vida espiritual dos fiéis e ajudam a que estejam bem dispostos para participar mais plenamente na sagrada liturgia (cf. SC 12-13).
12. A arquitetura e as mobílias das igrejas seriam "dignos, decorosos e belos, verdadeiros sinais e símbolos do sobrenatural" (SC 122), "conduzindo piamente o espírito do homem até Deus" (ibid.). Não haveria nada que pudesse perturbar ou distrair os fiéis, já que o bispo teria tido "todo o cuidado em retirar da casa de Deus e de outros lugares sagrados aquelas obras de arte que não se coadunam com a fé e os costumes e com a piedade cristã, ofendem o genuíno sentido religioso, quer pela depravação da forma, quer pela insuficiência, mediocridade ou falsidade da expressão artística" (SC 124), já que aquilo que se busca são justamente "obras que se destinam ao culto católico, à edificação, piedade e instrução religiosa dos fiéis" (SC 127).
É esta a sua experiência semanalmente?
Acaso não é um escândalo o fracasso monumental em implementar a Sacrosanctum Concilium?
No que se tornou a grande promessa do movimento litúrgico original? É difícil fugir da impressão de que a Sacrosanctum Concilium tornou-se amplamente letra morta dentro de um ou dois anos de sua promulgação. Deveríamos estar felizes ou tristes por conta disso? A indiferença parece ser, de longe, a reação mais comum. E para católicos isto é certamente algo indigno.
Se aqueles de mente mais tradicional apontam passagens ambíguas ou problemáticas nos documentos conciliares (inclusive na Sacrosanctum Concilium), deveriam também eles ser os primeiros a reconhecer a presença abundante de doutrina tradicional - praticamente tudo que foi sistematicamente ignorado ou mesmo contradito em nome do "espírito do Vaticano II". O Discurso de Natal, de 22 de dezembro de 2005, do Papa Bento, onde ele sistematicamente expôs e refutou a falsa compreensão do Vaticano II, é um dos marcos do Magistério pós-conciliar e mudou o inteiro debate acerca do Concílio. Não pode mais haver uma discussão séria sobre o Concílio ou a liturgia sem que traga as expressões que o Papa introduziu naquela ocasião - a "hermenêutica da ruptura e descontinuidade" e a  "hermenêutica de reforma na continuidade" (referida em alguns documentos posteriores simplesmente como "hermenêutica da continuidade"). A conversa foi decisivamente reorientada. O que ainda falta ser reorientado é o jeito como a Missa é celebrada na maioria dos lugares.
Tenho ficado bastante surpreso em minha vida adulta ao ver que os lugares em que esses pontos do Vaticano II estão mais sendo vividos, semanalmente, são as capelas da Fraternidade Sacerdotal São Pedro e de comunidades similares, onde o Rito Romano tradicional é celebrado exclusivamente. Isto não quer dizer que o usus antiquior por si só incorpora todas as recomendações (por bem ou por mal) feitas pelos Padres Conciliares, mas que a grande visão teológica da Sacrosanctum Concilium - a centralidade, a dignidade, a solenidade da sagrada liturgia, com o canto devoto de suas orações pelo sacerdote, a schola e o povo - está sendo vivida nessas comunidades e em bem poucas outras. Isto deveria dar-nos muitas pistas para reflexão.
Enquanto proponentes do novo movimento litúrgico têm reservas quanto a várias formulações na Sacrosanctum Concilium, é óbvio, apesar disso, que tanto os que aderem ao usus antiquior quanto aqueles que propõem um modelo de "reforma da reforma" são muito mais fiéis ao ensino explícito do Concílio do que qualquer progressista tem sido. Nos últimos cinquenta anos, temos visto a rigorosa implementação do suposto "espírito" do Concílio e de suas passagens mais fracas e obscuras. Agora que o Ano da Fé acabou - um ano cheio de várias surpresas -, continuemos a orar e a trabalhar rumo à implementação do que há de melhor e mais claro no ensinamento do Concílio.

Fonte: http://www.newliturgicalmovement.org/2013/12/is-your-liturgy-like-what-vatican-ii.html

Tradução por Luís Augusto - membro da ARS

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