O lava-pés
Pax et bonum!
D. Fouad Twal, patriarca latino de Jerusalém, durante o lava-pés na Missa Vespertina da Ceia do Senhor de 2014 |
Estamos nos últimos dias da Quaresma, às portas da Semana Santa.
Para ajudar na compreensão de um dos gestos mais presentes na memória popular, acerca do Tríduo Pascal, segue a tradução de parte de um artigo da Catholic Encyclopedia, seguida das indicações do Missal Romano e do Cerimonial dos Bispos (conforme a Forma Ordinária do Rito Romano).
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Devido ao uso geral de sandálias nos países orientais, o gesto de lavar os pés era conhecido em quase todo lugar, desde tempos antigos, como um dever de cortesia a ser mostrado aos convidados ou hóspedes (Gn 18,4; 19,2; Lc 7,44; etc.). A ação de Cristo depois da Última Ceia (Jo 13,1-15) também revestiu tal gesto com um profundo significado religioso e, de fato, até o tempo de São Bernardo encontramos escritores eclesiásticos, pelo menos ocasionalmente, dando a esta cerimônia o termo Sacramentum em seu sentido mais amplo, pelo qual sem dúvida queriam dizer que possuía a virtude do que agora chamamos de sacramental. O mandamento de Cristo de lavar os pés uns dos outros deve ter sido entendido inicialmente no sentido literal, pois São Paulo (1Tm 5,10) implica que uma viúva, para ser honrada e consagrada na Igreja, deveria ser "conhecida pelo seu bom comportamento, tenha educado bem os filhos, exercido a hospitalidade, lavado os pés dos santos, socorrido os infelizes e praticado toda espécie de boas obras". Esta tradição, podemos crer, nunca foi interrompida, embora a evidência nos séculos antigos seja dispersa e descontínua. Por exemplo, o Concílio de Elvira (ano 300), no cân. xlviii estabelece que os pés dos que estão prestes a ser batizados não devem ser lavados por sacerdotes, mas presumivelmente por clérigos ou pelo menos por leigos. Esta prática de lavar os pés durante o batismo manteve-se por longo tempo na Gália, em Milão e na Irlanda, mas aparentemente não era conhecida em Roma ou no Oriente. Na África, o nexo entre esta cerimônia e o batismo tornou-se tão estreito que parecia perigoso o gesto ser tomado erroneamente com parte integral do rito do próprio batismo (Santo Agostinho, Ep. LV, "Ad Jan.", n. 33). Por conta disso, o gesto de lavar os pés foi, em muitos lugares, fixado para um dia que não fosse aquele em que acontecia o batismo. Nas ordens religiosas, a cerimônia encontrou acolhida como prática de caridade e humildade. A Regra de São Bento manda que ela seja realizada todo sábado, para toda a comunidade, por aquele que exerceu o ofício de cozinheiro durante a semana; ao mesmo tempo em que também se prescrevia que o abade e os irmãos lavassem os pés do que eram recebidos como hóspedes. O ato era religioso e devia ser acompanhado por orações e salmos, "pois em nossos hóspedes o próprio Cristo é honrado e recebido". O lava-pés litúrgico (se podemos confiar na evidência negativa de nossos registros mais antigos) parece ter se estabelecido no Ocidente e no Oriente somente em data relativamente tardia. Em 694, o XVII Sínodo de Toledo ordenou a todos os bispos e presbíteros em posição de superioridade, sob pena de excomunhão, que lavassem os pés dos que lhes estavam submissos. O assunto também é discutido por Amalário e outros liturgistas do séc. IX. Se o costume de observar este lava-pés (ou mandato ou "maundy", termo inglês usado para a Quinta-feira Santa, originado da frase latina "Mandatum novum do vobis" - "Eu vos dou um novo mandamento", que são as primeiras palavras da antífona inicial) na Quinta-feira Santa, desenvolveu-se fora da prática batismal originalmente vinculada a este dia, não parece claro, mas logo tornou-se um costume universal nas catedrais e igrejas colegiadas (N.T. igrejas em que se reza o Ofício Divino diariamente por cônegos). Na segunda metade do séc. XII o papa lavava os pés de doze subdiáconos após a Missa e de treze homens pobres após o jantar. O "Caeremoniale episcoporum" afirma que o bispo deve lavar os pés ou de treze homens pobres ou de treze de seus cônegos. O prelado e seus assistentes estão paramentados e o Evangelho "Ante diem festum paschae" é cerimonialmente cantado com incenso e velas no início do momento. Muitos soberanos da Europa também costumavam realizar o mandato. O costume ainda se mantém nas cortes da Áustria e da Espanha.
Fonte: Thurston, Herbert. "Washing of Feet and Hands." The Catholic Encyclopedia. Vol. 15. New York: Robert Appleton Company, 1912. Disponível em http://www.newadvent.org/cathen/15557b.htm.
Para a Forma Ordinária do Rito Romano (forma mais comum em nossas paróquias e dioceses brasileiras), as rubricas litúrgicas são as que estão no Missal Romano, e no Cerimonial dos Bispos. Recorde-se que as rubricas são claras ao utilizar o termo latino viri, ou seja, homens. Portanto, as rubricas não permitem que um sacerdote convide mulheres para o lava-pés.
"Depois da homilia, onde razões pastorais o aconselhem, procede-se ao Lava-pés. Os homens designados, conduzidos pelos ministros, vão ocupar os bancos reservados
para eles em lugar conveniente. O sacerdote (depois de tirar a casula, se for necessário), aproxima-se
de cada um deles, deita-lhes água nos pés e enxuga-os com a ajuda dos ministros.
Depois do Lava-pés, o sacerdote lava e enxuga as mãos, retoma a casula e regressa à
sua cadeira, de onde dirige a oração universal". (Missal Romano, Próprio do Tempo, Sagrado Tríduo Pascal, Missa Vespertina da Ceia do Senhor)
"Após a homilia, na qual serão postos em relevo os importantíssimos mistérios que nesta Missa são
recordados, ou seja, a instituição da Sagrada Eucaristia e da ordem sacerdotal, bem como o mandamento do
Senhor sobre a caridade fraterna, procede-se, onde razões pastorais o aconselharem, ao lava-pés.
Os homens que para isso tenham sido escolhidos são conduzidos pelos ministros para os assentos
preparados em lugar adequado. O bispo depõe a mitra e a casula, mas não a dalmática, no caso de a usar,
cinge-se, se for conveniente, com um gremial de linho adequado, aproxima-se de cada um dos homens, deita-lhes
água nos pés e enxuga-os, ajudado pelos diáconos. Enquanto isso, cantam-se as antífonas indicadas no
Missal, ou outros cantos adequados.
Depois do lava-pés, o Bispo volta para a cátedra, lava as mãos e retoma a casula. Como nesta Missa
não se recita o símbolo, segue-se imediatamente a oração universal". (Cerimonial dos Bispos, 301-302)
Tradução por Luís Augusto - membro da ARS
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