Os passos da reforma litúrgica pós-conciliar - Audiência Geral de 17/03/1965, Paulo VI

Pax et bonum!

Dez dias após a entrada em vigor do Ordo Missae "renovado", Paulo VI retoma o assunto da reforma na audiência de quarta-feira (17/03/1965).
Assim como o fez o Cardeal Lercaro, o Papa analisa os posicionamentos frente à reforma.
Aproximadamente no centro do texto o Santo Padre afirma: "não se deve crer que depois de algum tempo se voltará a ser quieto e devoto ou preguiçoso, como antes; não, a nova ordem deverá ser diferente, e deverá impedir e agitar a passividade dos fiéis presentes à santa Missa; antes bastava assistir, agora é preciso participar; antes bastava a presença, agora a atenção e a ação são necessárias; antes alguém podia cochilar e talvez conversar; agora não, deve escutar e rezar".
O Santo Padre preocupa-se com a correspondência da parte dos fiéis quanto ao participar.
Diferente, todavia, do Cardeal Lercaro, o Santo Padre fala apenas dos posicionamentos apreensivos, nos quais se entrevê, segundo ele, "certa indolência espiritual", e dos que comportam entusiasmos e louvores. Dentre estes ele não citou os que, fugindo à obediência, desprezam os limites e sucumbem à "tentação das experiências", como falou o Pe. Bugnini.
De um modo geral, as palavras do Santo Padre continuam refletindo sua esperança otimista.

***

PAULO VI
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 17 de março de 1965

Tradução por Luís Augusto Rodrigues Domingues

Diletos Filhos e Filhas!

A nossa conversa familiar, numa audiência como esta, não pode não retornar sobre o tema do dia: aplicação da reforma litúrgica quanto à celebração da santa Missa. Nosso desejo seria perguntar a vós, se o caráter público deste encontro não o impedisse, como fazemos em outros encontros de caráter privado, quais são as vossas impressões sobre esta grande novidade. Essa merece que todos vos dêem atenção. Bem, Nós pensamos que a vossa resposta à Nossa pergunta não seria diferente daquelas que Nos chegam nestes dias.

A reforma litúrgica? Podem-se reduzir estas respostas a duas categorias. A primeira categoria é aquela das respostas que percebem uma certa confusão, e por isso um certo desconforto: antes, dizem estes observadores, estava-se tranquilo, qualquer um podia rezar como quisesse, tudo era conhecido quanto ao desenrolar do rito; agora tudo é novidade, surpresa, mudança; até o som do carrilhão no início do Sanctus foi abolido; e também aquelas orações que não se sabe onde ir procurar, aquela comunhão recebida estando em pé; e a Missa que termina bruscamente com a bênção; todos que respondem, muitos que se movem, ritos e leituras que se recitam em alta voz...; resumindo: não mais temos paz e compreende-se menos que antes; e assim por diante.

Não faremos a crítica destas observações, porque devemos mostrar como essas revelam insuficiente penetração do senso dos ritos religiosos, e deixam entrever não uma verdadeira devoção e um verdadeiro senso do significado e do valor da santa Missa, mas mais ainda uma certa indolência espiritual, que não quer empreender qualquer esforço pessoal de inteligência e de participação para melhor compreender e melhor cumprir o mais sagrado dos atos religiosos, ao qual somos convidados, e mesmo obrigados a nos associar. Repetiremos aquilo que nestes dias se vai repetindo por todos os Sacerdotes pastores de almas e por todos os bravos mestres de religião: primeiro, que se produza no início alguma confusão e algum desconforto é inevitável; está na natureza de uma reforma prática, bem como espiritual, de hábitos religiosos inveterados e piamente observados, o produzir um pouco de agitação, nem sempre agradável a todos; mas, segundo, alguma explicação, preparação e solícita assistência logo removem as incertezas e dão o sentido e o gosto de uma nova ordem. Porque, terceiro, não se deve crer que depois de algum tempo se voltará a ser quieto e devoto ou preguiçoso, como antes; não, a nova ordem deverá ser diferente, e deverá impedir e agitar a passividade dos fiéis presentes à santa Missa; antes bastava assistir, agora é preciso participar; antes bastava a presença, agora a atenção e a ação são necessárias; antes alguém podia cochilar e talvez conversar; agora não, deve escutar e rezar. Esperamos que celebrantes e fiéis possam logo ter os novos livros litúrgicos e que estes reflitam também na nova forma, tanto literal como tipográfica, a dignidade daqueles precedentes. A assembléia se torna viva e operante; intervir quer dizer deixar que a alma entre em atividade, de atenção, de colóquio, de canto, de ação. A harmonia de um ato comunitário, levado a cabo não só com o gesto exterior, mas com o movimento interior do sentimento de fé e de piedade, imprime ao rito uma força e uma beleza particulares: isso se torna coro, concerto, ritmo de uma imensa asa num vôo rumo às alturas do mistério e da alegria divina.

A segunda categoria dos comentários que chegam a Nós sobre as primeiras celebrações da nova Liturgia, é, pelo contrário, aquela dos entusiasmos e dos louvores. Que diz: finalmente se pode entender e seguir a complicada e misteriosa cerimônia; finalmente temos gosto; finalmente o Sacerdote fala aos fiéis, e vê-se que age com eles e por eles. Temos testemunhos comoventes, de pessoas do povo, de rapazes e de jovens, de críticos e de observadores, de pessoas pias e desejosas de fervor e oração, de homens de experiência longa e séria e de alta cultura. São testemunhos positivos. Um velho e distintíssimo senhor, de grande ânimo, e de finíssima, e por isso sempre insatisfeita, espiritualidade, se sentia obrigado, ao fim da primeira celebração da nova Liturgia, a se apresentar ao celebrante para expressar candidamente a sua felicidade por ter finalmente participado, talvez pela primeira vez na vida, com todo o espírito do santo sacrifício.

Pode ser que esta admiração e esta espécie de santa excitação se acalmem e logo se transformem em um novo tranquilo costume. A que não se habitua o homem? Mas é de se acreditar que não será menor o cuidado da intensidade religiosa que a nova forma do rito reclama; e com essa a consciência de dever cumprir simultaneamente dois atos espirituais: um de participação verdadeira e pessoal no rito, com o quanto de essencialmente religioso aquilo possa comportar; o outro de comunhão com a assembléia dos fiéis, com a “ecclesia”; atos que tendem, o primeiro, ao amor de Deus; o segundo, ao amor do próximo. Eis o Evangelho da caridade que vai atuando nas almas do nosso tempo: é verdadeiramente coisa bela, nova, grande, cheia de luz e de esperança.

Mas compreendei, caríssimos Filhos e Filhas: esta novidade litúrgica, este renascimento espiritual, não pode acontecer sem a vossa séria e disposta participação. Tanto Nos interessa esta vossa correspondência que, como vedes, nós a fazemos tema destas nossas palavras; e confiando que vós realmente lhes dareis boa acolhida, Nós vos prometemos tantas e tantas graças do Senhor, que é exatamente isto que a Nossa Bênção Apostólica quer assegurar a cada um de vós. 

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Por Luís Augusto - membro da ARS

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