Entendendo a doutrina e o culto ao Sagrado Coração de Jesus

Pax et bonum!


Estando às portas da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, é sempre conveniente perguntarmo-nos se realmente compreendemos o que estamos a fazer quando oramos de modo privado ou comunitário, no dia de amanhã (o dia próprio da Solenidade), bem como na primeira sexta-feira de cada mês ou noutro momento em que a oração tenha como fim este mesmo Coração do Redentor.
Não nos dedicaremos, nesta postagem, à história do culto ou aos detalhes litúrgicos, mas ao aspecto doutrinal, que obviamente é também indispensável para que amemos o que, enfim, conhecemos.
Que diríamos nós a um protestante que nos perguntasse o que significa este culto ao Coração de Cristo?
Pois bem, tomaremos como base a sempre recomendada Catholic Encyclopedia, no tópico sobre a Devoção ao Sagrado Coração de Jesus.
Primeiramente convém afirmarmos categoricamente que a devoção ao Sagrado Coração de Jesus nada mais é que uma forma especial de devoção ao Senhor Jesus. São o seu objeto, seus fundamentos e seu ato próprio que a distinguem.

Objeto
A palavra "coração" se identifica imediatamente com o órgão vital que bate em nosso peito, mas também a aspectos de nossa vida moral e emocional, com os quais vagamente percebemos alguma íntima conexão. Por esta razão a palavra "coração", na linguagem simbólica, designa estas mesmas coisas simbolizadas por ele. Às vezes ocorre de a palavra passar a designar tão somente as coisas simbolizadas e já não mais a realidade material. Ex: "alma" ou "espírito" não nos sugerem normalmente um pensamento relacionado à respiração; "coração" muitas vezes nos sugere a ideia de coragem, amor, etc. Assim sendo, isto está mais para uma metáfora do que para um símbolo, dado que o símbolo é um sinal real e a metáfora é um sinal verbal.
Em nosso contexto, o culto é tributado ao Coração de carne, ao passo em que este simboliza o amor de Jesus, e sua vida emocional e moral. Direcionado ao Coração material, o culto não para por aí, mas inclui o amor, que é o seu principal objeto, e que é alcançado pelo Coração de carne, sinal e símbolo deste amor.
Nesta devoção, portanto, não se cultua isoladamente o coração físico, nem tão somente a caridade de Cristo, mas consideram-se os dois elementos: o elemento sensível, que é o coração de carne, e o elemento espiritual, que o coração de carne recorda e representa. Estes dois elemento não devem ser entendidos como dois objetos distintos, mas como um todo. Dos dois, todavia, sobressai como essencial o amor de Cristo, que é como a causa e a razão da devoção de que tratamos. Resumamos dizendo que esta devoção é ao coração de Cristo, enquanto ele recorda e representa o seu amor, ou ao amor de Cristo, enquanto recordado e simbolicamente representado por seu coração de carne.
Sendo assim, a devoção se baseia sobretudo no simbolismo do coração e, por isto, não se preocupa tanto com a anatomia. Aliás, deixar o simbolismo menos evidente, em prol de uma precisão anatômica (ex: pintá-lo ou esculpi-lo cheio de veias, artérias, átrios, ventrículos e outros detalhes do órgão humano), seria uma injúria a esta devoção.
A ferida no coração (como se retrata nas imagens) é bastante conveniente e acaba por completar o simbolismo, pois nos recorda e representa o amor ferido do Senhor (ex: por nossas ingratidões).
O Coração de Jesus também designa o próprio e inteiro Senhor, todo amante e amável, sua Pessoa.
Fase indispensável da devoção ao Coração do Senhor é, também, o reconhecimento de que este amor é rejeitado, desprezado, ignorado. Esta realidade é bastante encontrada nas Escrituras e nas experiências das vidas dos santos (particularmente nas próprias aparições do Senhor a Santa Margarida Maria, no fim do séc. XVII, que deram forma a esta devoção). 
Este amor do Senhor manifesta-se nele por inteiro, em suas palavras e atos, mas três mistérios brilham de forma inigualável quando se trata de seu amor: a Encarnação, a Paixão e a Eucaristia.
No Coração de Cristo este amor não é encontrado apenas pelos homens, mas também por Deus. Todavia, esta devoção dirige-se, sobretudo, "ao Coração que tanto amou os homens", como dizem as palavras dirigidas a Santa Margarida Maria.
Por fim, poder-se-ia perguntar se este amor seria o amor de Jesus homem ou o amor de Jesus Deus. Ora, o objeto desta devoção é o amor de nosso Senhor Jesus Cristo, Deus feito homem.

Fundamentos
Históricos
Ainda que se possa dizer que esta devoção foi principalmente propagada pelo movimento nascido em Paray-le-Monial, cidade francesa, com as visões e o apostolado de Santa Margarida Maria Alacoque (22/07/1647~17/10/1690), a devoção não seria menos sólida ou digna se elas fossem falsas. Ainda que ajudada pelas visões, a devoção não depende necessariamente delas. A Igreja, aprovando-a, examinou as duas coisas separadamente.

Teológicos
O coração de Jesus, como tudo que pertence à sua Pessoa, é digno de adoração (culto de latria, que se deve a Deus somente). Não se considera o coração como isolado ou não conectado à Pessoa de Jesus. Como já dito, este culto se estende, do coração de carne, ao amor de Jesus, do qual é símbolo vivo e expressivo. Sendo uma devoção dirigida à Pessoa de Jesus, ela não precisa de nenhuma justificativa ou argumentação especial. Jesus, o rosto vivo da bondade e do amor de Deus, Jesus infinitamente amante e amável, é o objeto da devoção ao seu Sagrado Coração e, enfim, o objeto mesmo de toda a religião cristã.

Filosóficos e Científicos
Para esta devoção não é preciso dizer que o coração é o "órgão do amor". Para a devoção basta que o coração seja o símbolo do amor e que, como base, exista uma conexão entre o coração e as emoções. O simbolismo do coração é um fato; qualquer pessoa pode experimentar e afirmar que no coração há uma espécie de eco de nossos sentimentos. Um estudo fisiológico sobre isso não é, todavia, necessário.

Ato próprio
Este ato é exigido pelo próprio objeto da devoção, e seria exatamente o amor por Jesus. Ele é caracterizado pelo amor recíproco e sua meta é amar a Jesus que tanto nos amou, retribuir amor com amor. Dado que o amor de Jesus manifesta-se para a alma devota como um amor desprezado e ultrajado, o amor expressado na devoção assume naturalmente um caráter de reparação. Daí a importância dos atos de desagravo, a Comunhão reparadora e a compaixão por Jesus padecente. Todavia, nenhum ato especial pode esgotar a devoção ao Sagrado Coração.
Esta devoção nos recorda e ensina a obedecer ao sagrado mandamento: "Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu espírito e de todas as tuas forças" (Mc 12,30).
Segundo o Servo de Deus Pe. João Batista Reus, SJ, "é sobretudo no Sacrossanto Sacrifício da Missa que nos é dado retribuir o Amor do Sagrado Coração de Jesus. Eis porque a Santa Missa em honra do Sagrado Coração é a melhor devoção ao mesmo". Recomendamos nossa postagem sobre esta devoção na vida do Servo de Deus.

Por fim, recomendamos a leitura da Carta Encíclica Haurietis Aquas, do Papa Pio XII, que trata exatamente do culto ao Sagrado Coração de Jesus, e da qual queremos enfatizar a seguinte exortação:

"Desejando ardentemente opor segura barreira às ímpias maquinações dos inimigos de Deus e da Igreja, como também fazer as famílias e as nações voltarem ao amor de Deus e do próximo, não duvidamos em propor a devoção ao Sagrado Coração de Jesus como escola eficacíssima de caridade divina; dessa caridade divina sobre a qual se há de construir o reino de Deus nas almas dos indivíduos, na sociedade doméstica e nas nações, como sabiamente advertiu o nosso mesmo predecessor (Leão XIII), de piedosa memória: 'Da caridade divina recebe o reino de Jesus Cristo a sua força e a sua beleza; o seu fundamento e a sua síntese é amar santa e ordenadamente. Donde necessariamente se segue o cumprir integralmente os próprios deveres, o não violar os direitos alheios, o considerar os bens naturais como inferiores aos sobrenaturais, e o antepor o amor de Deus a todas as coisas'" (Haurietis Aquas, 73).

Por Luís Augusto - membro da ARS

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