"Bagunçando a Missa: o problema do narcisismo sacerdotal hoje em dia"
Pax et bonum!
Há poucos dias encontrei um interessantíssimo artigo de 2007 sobre a libertinagem litúrgica das últimas décadas.
Embora os autores coloquem o foco nos Estados Unidos, a verdade é que tal mentalidade "narcisista" está presente em grande parte do clero católico romano moderno em todo o mundo.
Segue o artigo, em tradução livre, não-oficial. Boa leitura!
Bagunçando a Missa:
Traduzido por Luís Augusto Rodrigues Domingues - membro da ARS
Há poucos dias encontrei um interessantíssimo artigo de 2007 sobre a libertinagem litúrgica das últimas décadas.
Embora os autores coloquem o foco nos Estados Unidos, a verdade é que tal mentalidade "narcisista" está presente em grande parte do clero católico romano moderno em todo o mundo.
Segue o artigo, em tradução livre, não-oficial. Boa leitura!
"Narciso", pintura de Caravaggio |
o problema do narcisismo sacerdotal hoje em dia
Paul Vitz & Daniel C. Vitz
Desde o Vaticano II, a Missa tem caído como vítima de vários tipos de irregularidades. Este assunto tem sido muito discutido sob várias perspectivas, mas neste artigo examinaremos um aspecto previamente negligenciado da situação - são as razões psicológicas pelas quais os sacerdotes têm introduzido tais mudanças. Não interpretaremos com explicações teológicas por que a Missa tem sido sujeita à experiência litúrgica, nem discutiremos razões litúrgicas para tais inovações. Pelo contrário, poremos o foco na psicologia do sacerdote e daqueles que participam da liturgia - isto é, nos motivos psicológicos como distintos das razões teológicas e litúrgicas.
Propomos que a motivação primária por trás de várias destas mudanças deriva de motivos narcisistas subjacentes - isto é, extremo amor de si - encontrados em tantas pessoas na cultura contemporânea.
Este é especificamente o caso com as mudanças relativamente pequenas introduzidas de uma forma idiossincrásica na Missa. Nós primeiramente sumarizamos e descrevemos a natureza deste narcisismo, e então o aplicamos à situação encontrada entre os sacerdotes.
Narcisismo Americano
No início da década de 70 (séc. XX), um número de grandes críticos sociais notou e criticou este crescente caráter narcisista - isto é, preocupado consigo mesmo - do país. O artigo de Tom Wolfe - "The Me Decade" ("A década do eu") inaugurou esta crítica, e vários outros seguiram-no. Talvez o tratado mais extenso tenha sido o de Christopher Lasch: "The Culture of Narcissism" ("A Cultura do Narcisismo").
A primeira crítica em livro ao narcisismo americano foi escrita por um dos autores do presente artigo (Paul C. Vitz), "Psychology as Religion: The Cult of Self-Worship" ("Psicologia como Religião: O Culto da Egolatria"). (1977, 1994). Vitz abordou explicitamente o significado anti-cristão (embora não o anti-católico) básico do narcisismo cultural contemporâneo.
A obra "Habits of the Heart: Individualism and Commitment in American Life" ("Hábitos do Coração: Individualismo e Compromisso na Vida Americana"), de Robert Bellah e outros, em 1985, continuou tais críticas. Nós brevemente sumarizamos os pontos-chave destes autores a fim de permitir a aplicação de seus insights à psicologia de muitos sacerdotes americanos.
Lasch enfatizou o declínio do "senso do tempo histórico" (p. 1). O Narcisismo, como quadro mental, é mais fácil para indivíduos e sociedades quando já não mais estão conectados ao passado. É o passado que provê um quadro para julgar o comportamento contemporâneo como bom ou mau, como apropriado ou inapropriado, como tradicional ou novo. O passado histórico, com seus heróis e lições, é o elo de uma pessoa às tradições culturais e à família. É ele que provê normas de conduta e restrições morais. Lasch deixa claro que, como o passado tem desaparecido da consciência americana, a capacidade para a auto-indulgência narcisista tem crescido substancialmente.
Lasch também notou como a sociedade americana tem começado a perder a confiança no futuro - realidade ainda maior na Europa. Esta rejeição do futuro começou a se espalhar na década de 60 com o medo de superpopulação. Muitos começaram a argumentar em favor do "crescimento zero da população", e consideraram que o futuro do mundo seria melhor com bem menos seres humanos. Houve também uma perca de esperança para o futuro da humanidade e das organizações sociais tradicionais. Este mesmo fenômeno distingue-se facilmente relativo à cultura ocidental em geral, incluindo a nação americana. Críticas modernas à sociedade ocidental como exploradora, imperialista, e até culturalmente inferior espalharam-se nas comunidades intelectuais dos Estados Unidos e da Europa. A partir de nossos colégios, universidades e seminários esta atitude geral se espalhou e se tornou comum entre a classe profissional ou "governante" da América. Uma relacionada crítica da religião em si cresceu ao mesmo tempo - e nos mesmos lugares. Ciência, tecnologia e vida secular foram geralmente assumidos como desejáveis e inevitáveis. E a religião - de qualquer jeito uma parte da embaraçosa cultura ocidental - estava fadada a desaparecer. A Cristandade em qualquer forma reconhecível foi julgada como sem futuro. A evaporação de esperança para o futuro em todas estas frontes, junto do declínio da crença na relevância da tradição, quis dizer que o que importava era o "agora". Separados do passado e tendo pouca confiança no futuro, demos permissão para que o momento presente dominasse nossas consciências.
Abundam exemplos de preocupação com o presente - o "agora" - à custa das lições do passado e da atenção para com o futuro. A sociedade consumista, e sua obsessão com o consumo, e seu estímulo a se incorrer em débito com o descuido das consequências futuras, talvez seja o exemplo mais óbvio. A glorificação da gratificação sexual passageira e os prazeres dos sentidos é outro exemplo comum deste foco peculiar contemporâneo no presente. As indústrias de entretenimento alimentam - e continuam alimentando - a preocupação com o momento presente.
Esta mentalidade promove o narcisismo, porque pessoas firmemente ligadas às suas tradições e conscientes do seu futuro possuem restrições inerentes à sua gratificação e auto-indulgência. Tais pessoas, ao contrário das outras, obtêm gratificação pela continuação de um passado admirado e por projetá-lo de modo positivo rumo a um futuro esperançoso. Resumindo, o "agora" e o narcisismo andam de mãos dadas.
Vitz, em seu tratado, identifica a auto-psicologia de Carl Rogers e Abraham Maslow e outros psicólogos como um fator causal central, especialmente na preocupação destes psicólogos com a auto-atualização e o auto-preenchimento. Ele também nota como este narcisismo psicológico transformou-se na ênfase da New Age (Nova Era) no narcisismo espiritual: "Quando eu rezo, rezo a mim mesmo". O eu, para muitos, tem se tornado o centro absoluto de valores e preocupações. Tal atitude é uma forma de idolatria, obviamente relacionada aos tradicionais vícios do orgulho e da vaidade, e bem fundada na tentação verdadeiramente antiga: "Sereis como deuses". É claro, a maioria dos narcisistas americanos voltados para si não vai tão longe, mas há uma forte tentação para se aceitar um lema antigo do Burger King: "Have it your way" ("Faça do seu jeito").
O narcisismo discutido por Lasch ganhou novo foco no conhecido trabalho de Bellah et al, Habits of the Heart. Este livro primeiramente identificou o individualismo americano e o eu autônomo como culpado pela fragmentação social, a solidão e a alienação pessoal dos Estados Unidos.
Embora o individualismo americano não seja exatamente a mesma coisa que narcisismo - em algumas formas é mais moderado - Bellah et al concluem, "enfim, os resultados [do individualismo] são na maioria os mesmos" que os do narcisismo ou egoísmo. Bellah admite com Lasch que, com o individualismo americano, "as pessoas chegam a 'esquecer seus ancestrais', mas também seus descendentes, como que se isolando de seus contemporâneos".
Narcisismo de um Tipo Psicológico Geral
O sumário precedente interpretou o narcisismo primariamente dentro de um contexto social ou cultural.
Todavia, um definição psicológica de narcisismo é também relevante. O narcisismo clínico genuíno, bem como o transtorno de personalidade narcisista (TPN), é um sério transtorno, relativamente incomum, que não vem ao caso aqui. Ao contrário, nosso foco está em características narcisistas mais moderadas encontradas em vários indivíduos hoje em dia. Cinco características são relevantes; partes do transtorno de personalidade narcisista como descrito no DSM-IV-R (DSM = Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais).
1. "Requer excessiva admiração"; com isto vem uma extrema "sensibilidade à crítica". Tal crítica "geralmente leva a um isolamento social ou a uma aparência de humildade". Geralmente está associado a um óbvio comportamento em busca de atenção. Estes traços narcisistas são frequentemente encontrados naqueles que introduzem e participam de inovações litúrgicas.
2. Um "senso de posse, de irracional expectativa por tratamento favorável e conformidade automática dos outros às suas sugestões e expectativas" é outro traço narcisista. Uma atitude de "as regras não se aplicam a mim" vem com este senso de posse - por exemplo as rubricas da Missa não me obrigam a segui-las.
3. Acreditam "que são superiores, especiais ou únicos e esperam que os outros reconheçam isso; que deveriam associar-se apenas a pessoas que são especiais ou de um maior status". Nos sacerdotes isto se mostra pela extrema necessidade de se unir a um clero mais alto ou a experts em liturgia .
4. Outra característica narcisista é mostrar "atitudes e comportamentos altivos e arrogantes". Às vezes os sacerdotes manifestam isto em seu estilo, ênfases ou inovações litúrgicas ou quando são criticados por conta de tais inovações. Tais atitudes frequentemente estão na base da suposição de que se tem o direito de alterar a liturgia.
5. Uma "falta de empatia", isto é, "uma relutância em reconhecer ou identificar-se com o sentimento e as necessidades dos outros". Isto às vezes é mostrado pelo desprezo ou raiva contra aqueles que se sentem ofendidos pelas mudanças na liturgia - normalmente mudanças que não têm nenhum respaldo canônico.
Não é necessário que tudo acima esteja presente num dado indivíduo para estar clara a personalidade narcisista geral desta pessoa, mas qualquer um dos traços ao extremo, ou dois ou mais bem óbvios, seria suficiente para se identificar um "tipo narcisista".
Expressões Católicas do Narcisismo Clerical
Lasch, Vitz e Bellah jamais tocam na Igreja Católica em suas obras supracitadas, mas seus apontamentos aplicam-se à situação da Igreja nos Estados Unidos no correr das últimas décadas.
Deixando de lado a importância da matéria teológica subjacente, podemos ver motivos psicológicos profundamente enraizados entre os sacerdotes americanos que "individualizam" as Missas que celebram, colocando sua "marca pessoal" na liturgia. Estes sacerdotes pintam e bordam com as rubricas da Missa, transformam uma introdução "muito breve", após a saudação do povo, como autorizado pela Instrução Geral sobre o Missal Romano, em outra homilia. Alguns até individualizam a oração de consagração, e de várias outras formas procuram deixar a Divina Liturgia conforme seus próprios gostos e visões.
Muitas dessas mudanças vêm sendo atribuídas há um bom tempo ao "espírito do Vaticano II", mas de fato nosso ponto é que o espírito narcisista e secular dos tempos é que está por trás dessas irregularidades litúrgicas.
Este espírito secular, como descrito por Lasch, era explicitamente auto-indulgente e auto-engrandecedor. A base lógica daqueles que "personalizam" a liturgia é claramente uma que rejeita a história e a tradição da Igreja - bem como a sociedade em geral tem feito com o seu passado. Isto é facilmente visto na frequente negligência e no às vezes explícito menosprezo à tradição litúrgica da Igreja, da parte daqueles que deveriam ser os mais estreitamente apegados à Igreja - os sacerdotes.
Estes abusos refletem uma real desconexão com o futuro cristão. O futuro é um foco central na liturgia compreendida corretamente. A liturgia reflete a saudade de Deus, que temos a esperança de estancar quando morrermos, mas talvez de modo ainda mais importante a Missa é o presságio do Juízo Final que virá sobre toda a humanidade. Como seu coração, a Divina Liturgia é uma expressão de esperança no futuro, e é uma manifestação terrena de nossa meta final - o Céu. A Missa deveria arrancar-nos do presente - deveria ter uma atemporalidade transcendente - e também dar-nos a consciência das longas tradições da Igreja que nos precedem. Infelizmente, a assembleia, em muitas das liturgias de hoje, saem da Missa com pouca consciência do significado da liturgia tanto para o passado da Igreja como para seu futuro eterno. A Missa foi apenas uma experiência emocional transitória, facilmente esquecível.
O foco contemporâneo comum sobre o ser “relevante” é um modo de colocar o foco da Missa no “agora”, com um sério abandono do de onde a Missa vem e aonde ela está nos conduzindo. Ser relevante é estar envolvido com o presente, comumente à custa tanto do passado como do futuro. De fato, a maioria dos inovadores argumenta que uma liturgia “relevante” é uma que fale para as pessoas “agora”, mas do que uma que sirva como ponto de referência fixo num mundo confuso e em constante mudança. O “agora” é também uma expressão de preocupações narcisistas. De fato, é difícil desfazer a conexão entre narcisismo e liturgia “relevante”: quando se põe o foco no “agora”, alimenta-se o narcisismo, e o narcisismo cria uma preocupação com a “relevância” e com o “agora”. Vejamos agora alguns exemplos específicos de nossa tese.
Em 1990, Thomas Day, em “Why Catholic can’t sing” (Por que o católico não pode cantar), deu alguns exemplos claros do fenômeno narcisista na liturgia católica – um fenômeno que ele chama de "Ego Renewal" (“renovação do ego”).
“É Quinta-feira Santa e estamos na Solene Missa Vespertina, numa paróquia do médio-ocidente. Chega o momento do celebrante da Missa lavar os pés de doze paroquianos, assim como Cristo lavou os pés dos apóstolos na Última Ceia. Durante esta profunda cerimônia, o coro canta motetes e alterna-se com a assembleia, que canta hinos. Finalmente, vem a conclusão desta parte da liturgia com o último pé. A música termina. Você quase pode sentir que a assembleia quer chorar de alegria. Então, o Pe. Hank (como quer ser chamado) dirige-se ao microfone, sorri, e diz: ‘Rapaz, isso foi uma beleza! Vamos dar uma salva de palmas para estes doze paroquianos’.
A assembleia, meio atordoada e relutante, aplaude fracamente. O Pe. Hank continua...
Um por um, o Pe. Hank retorna à fila dos doze paroquianos. Cada um ganha uma pequena homenagem e é aplaudido. Com esta atitude fora do rumo, Pe. Hank, visivelmente satisfeito consigo mesmo, retoma a liturgia, enquanto a assembleia, visivelmente chateada, contempla várias formas de estrangulamento”.
Este é um exemplo narcisista de “personalização” da liturgia, e Day aponta que as esquisitices do “Pe. Hank”, longe de serem desinteressadas, são fundamentalmente intencionadas para chamar a atenção sobre ele mesmo. Qualquer psicólogo estaria consciente da insegurança oculta do Pe. Hank e da consequente necessidade de afirmação pessoal, e nós podemos ver esta mesma psicologia em grau menor quando o celebrante deixa o presbitério para saudar os leigos durante o sinal da paz ou quando fica acenando para a assembleia durante a procissão de saída, como se fosse um político local voltando para o escritório. Day mostra uma consciência aguda acerca do narcisismo subjacente a vários problemas litúrgicos, e, como notado, refere-se a isso de maneira muito apta como “Renovação do Ego”. Um exemplo similar da vida real, de personalização da liturgia, de forma que diminui seu significado espiritual, ocorreu numa grande Missa, onde participou o autor mais novo, na qual o celebrante principal introduziu cada um dos mais de 20 concelebrantes no começo da Missa, pedindo aplausos para cada um ao passo que os ia apresentando.
Com raras exceções, a introdução do aplauso dentro da Missa é uma amostra das necessidades do ego do sacerdote (ou dos sacerdotes) que está moldando a Missa num show business e em demonstrações públicas de apoio emocional, à custa de Cristo e da atitude de reverência.
Mudar as rubricas às vezes seduz para o narcisismo tanto a assembleia quanto o sacerdote, como quando o celebrante afirma para a assembleia “O Senhor está convosco”, ao invés de abençoá-los dizendo “O Senhor esteja convosco”.
Para que o leitor não pense que os citados exemplos pertencem aos anos 80 e 90, aqui vai um do inverno de 2006, de uma considerada diocese, que apareceu em janeiro de 2007 no “First Things”. Uma Missa Halloween numa paróquia que deixaremos anônima, “teve músicos vestidos de diabo e pessoas fantasiadas de demônio distribuindo a Eucaristia. Eu parei de assistir o vídeo altamente disseminado da Missa quando o padre introduziu a Oração do Senhor com as palavras: ‘Como goblins e vampiros...’, E assim eu perdi a parte em que, supostamente, ele se vestiu como Barney, aquele dinossauro roxo, para concluir a cerimônia”. Os pontos narcisistas óbvios são que esta Missa foi gravada para distribuição, e que o padre apareceu fantasiado de um dinossauro muito conhecido na mídia. (O que uma fantasia de dinossauro diz a respeito de sua atitude perante o sacerdócio e a Igreja?) Há também, é claro, um tema bem mais sinistro nesta “performance” – o que sugere uma associação entre narcisismo e heresia.
[N.T.: Pode-se conferir um vídeo desta Missa, disponível no Youtube:]
Muitas mudanças e acréscimos na Missa não são tão pesados ou óbvios para o fiel que está no banco, como os citados acima. Todavia, eles podem ser apenas inquietantes, e igualmente imprecisos teologicamente. Numa ocasião o autor mais novo percebeu que as palavras da consagração tinham sido alteradas pelo padre durante a Missa diária numa grande catedral. Depois da Missa ele se aproximou do sacerdote e educadamente perguntou a razão destas mudanças, e recebeu como resposta que isso era “só uma coisinha que faço sempre”. Outro exemplo aconteceu quando este mesmo padre modificou tanto as palavras da Missa que a assembleia ficou perdida e não percebeu o momento de dar as respostas corretas. Ainda outro exemplo, envolve um padre que decorava o Evangelho toda semana e então o recitava de memória mais do que lendo. Esta novidade chamava considerável atenção para o sacerdote, obviamente, e muitos perdiam a mensagem do Evangelho por estarem concentrados na performance dele. De modo parecido, foi-nos relatado de um sacerdote que fazia a homilia através de mímicas, novamente chamando indevida atenção para si e para sua performance. Imitar o auto-esquecimento de Cristo e seu humilde coração são os antídotos para estas tendências.
O laicato é igualmente recrutado para o narcisismo hoje em dia. A Missa é apresentada como uma celebração dos próprios fiéis congregados, mais do que uma celebração da presença de Cristo na Eucaristia.
Isto é parte da motivação por trás dos aplausos dados pelos leigos. Talvez o exemplo mais óbvio de narcisismo dos leigos que participam da Missa seja no campo do “grupo de canto” ou “ministério de música”.
Day põe particularmente este aspecto em foco em “Why catholic can’t sing”; um aspecto notável deste fenômeno é a mudança de local do coro para junto do presbitério, onde os cantores estão melhor dispostos para se “apresentarem” para a assembleia e serem vistos e aplaudidos. De fato, há uma sensação crescente de que a música na Missa é mais uma performance do que qualquer outra coisa.
Um dos resultados inesperados da customização da liturgia por parte dos sacerdotes – fazendo mudanças deliberadamente para se adequar às suas predileções particulares – é que os leigos às vezes seguem o mesmo caminho.
Seguir a mentalidade consumista americana do “Faça do seu jeito” é algo que pode acontecer com os fiéis leigos, não só com os sacerdotes. Se todo padre é papa, por que não também todo leigo? Quando o padre diz: “O Senhor está convosco”, o que impediria um homem no banco de responder: “Eu sei. Amém.”? Depois de tudo, o laicato tem suas próprias necessidades narcisistas que facilmente poderiam ser apresentadas de formas abruptas durante a Missa. Um tanto do narcisismo dos leigos pode ser visto na forma com que insistem em controlar a Missa e as orações durante casamentos e funerais. Estas celebrações são cada vez mais “ajustadas” por conta da insistência dos leigos.
É importante que os sacerdotes tenham em mente que a maioria dos católicos vai à Missa para encontrar Jesus Cristo, e não para entrar em contato com a psicologia particular do celebrante. Eles vão por algo que não está presente na cultura popular – um senso do sagrado e o reconhecimento da necessidade de humildade. Não queremos sair da Missa sendo afirmados no lugar onde estamos, queremos ser atraídos para o lugar em que almejamos estar – o mais perto de Cristo e do Céu.
Dada esta tendência rumo à “renovação do ego”, à auto-estima e ao auto-engrandecimento, sacerdotes e seminaristas deveriam conscientizar-se do perigo de inserir a própria personalidade na liturgia.
Esta tendência rumo ao narcisismo precisa ser tratada especialmente no contexto da Missa celebrada versus populum – de frente para o povo. Não obstante a visão de qualquer um sobre os respectivos méritos da Missa sendo celebrada ad orientem ou versus populum, pouca dúvida deve haver sobre ser bem maior a tentação quando o celebrante está de frente para a assembleia. O Cardeal Arinze, o Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, recentemente comentou sobre este assunto dizendo: “Se o sacerdote não for bem disciplinado, ele logo se transformará num apresentador. Ele pode até não perceber, mas estará projetando mais a si do que a Cristo. De fato, o altar voltado para o povo é muito exigente”.
Uma vez que as necessidades vãs ou narcisistas de muitos sacerdotes estão por trás de suas mudanças peculiares e idiossincrásicas na liturgia, é hora destes fatores não-teológicos e nada atraentes serem amplamente reconhecidos nos seminários católicos e na comunidade católica em geral. Deixemos o Cardeal Arinze dar a última palavra neste assunto quando ele diz que a liturgia “não é propriedade de um indivíduo, portanto nenhum indivíduo mexe com ela”.
Paul Vitz & Daniel C. Vitz. "Messing with the Mass: The problem of priestly narcissism today." Homiletic and Pastoral Review (Novembro de 2007).
Traduzido por Luís Augusto Rodrigues Domingues - membro da ARS
Estava procurando o original desse artigo de 2007 e descobri q vcs tinham acabado de traduzir. Pretendo usar algumas idéias no meu blog "Missa aos domingos"
ResponderExcluirMto legal o blog da ARS e o trabalho que fazem. Parabéns!