"Credo in Iesum Christum, qui descéndit ad ínferos" - A descida aos infernos

PAX!


Pondo em breves palavras o contexto litúrgico destas horas do Senhor no sepulcro, no segundo dia de sua morte, meditemos sobre o Responsório após a Segunda Leitura do Ofício das Leituras deste Sábado Santo.

R. Recéssit pastor noster, fons aquæ vivæ,
ad cuius tránsitum sol obscurátus est;
nam et ille captus est, qui captívum tenébat primum hóminem.
* Hódie portas mortis et seras 
páriter Salvátor noster disrúpit.
V. Destrúxit quidem claustra inférni
et subvértit poténtias diáboli.

R. Nosso pastor se retirou, ele, a fonte de água viva;
e o sol, na sua morte, escurecendo, se apagou;
e aquele que trazia prisioneiro o homem primeiro,
por Cristo aprisionado.
* Hoje o nosso Salvador arrombou as portas da morte
e quebrou os seus ferrolhos.
V. Destruiu as prisões do inferno
e derrubou o poder satânico.

E leiamos o que nos diz o Catecismo Romano sobre a descida de Cristo aos infernos (traduzido no Brasil como "mansão dos mortos"):

CAPÍTULO SEXTO

Quinto Artigo do Símbolo: Desceu aos infernos, ao terceiro dia ressurgiu dos mortos

Se muito importa conhecer a glória da sepultura de Jesus Cristo Nosso Senhor, conforme acabamos de tratar, de maior alcance para o povo cristão é saber os brilhantes triunfos que Ele alcançou, com a derrota do demônio e com a tomada dos infernos.
É disso que vamos ocupar-nos agora (...).
A primeira cláusula deste Artigo propõe-nos a crer que, após a morte de Cristo, Sua Alma desceu aos infernos, e lá ficou todo o tempo que Seu Corpo esteve no sepulcro.
Com estas palavras, confessamos igualmente que a mesma Pessoa de Cristo esteve nos infernos, ao mesmo tempo que jazia no túmulo. Este fato não deve estranhar a ninguém. Conforme já dissemos várias vezes, a Divindade nunca se apartou da alma nem do corpo, não obstante a separação que houve entre alma e corpo.
Para maior evidência deste Artigo, o pároco começará por explicar em que sentido se toma aqui a palavra "infernos". Deverá, pois, inculcar que não quer dizer sepultura, conforme alguns asseveravam, com uma impiedade igual à sua própria ignorância.
No Artigo anterior, vimos com efeito que Cristo Nosso Senhor fora sepultado. Ora, não havia motivo para que os Apóstolos, na composição do Símbolo, repetissem a mesma verdade com outras palavras, por sinal que mais obscuras.
A expressão "infernos" designa os ocultos receptáculos em que são detidas as almas que não conseguiram a bem-aventurança do céu.
Neste sentido, ocorre em muitos lugares da Sagrada Escritura.
Lê-se, por exemplo, numa epístola do Apóstolo: "Ao nome de Jesus, deve dobrar-se todo o joelho, no céu, na terra, e nos infernos". E nos Atos dos Apóstolos atesta São Pedro que "Cristo Nosso Senhor ressuscitou, depois de vencer as dores dos infernos".
Mas esses receptáculos são de várias categorias. Um deles é a horrenda e tenebrosa prisão, em que as almas réprobas são atormentadas num fogo eterno e inextinguível, juntamente com os espíritos imundos. Chama-se também "geena", e "abismo".
É o inferno propriamente dito.
Há também um fogo de expiação, no qual por certo tempo se purificam as almas dos justos, até que lhes seja franqueado o acesso da Pátria Celestial, [lugar] onde nada de impuro pode entrar.
Consoante as declarações dos Santos Concílios, esta verdade tem por si os testemunhos da Escritura e da Tradição Apostólica. O pároco deve, pois, apregoá-la com maior desvelo e assiduidade, do que nenhuma outra, porquanto chegamos a uma época, em que os homens já não suportam a sã doutrina.
Existe, afinal, um terceiro receptáculo, em que eram recolhidas as almas justas, antes da vinda de Crislo. Ali desfrutavam um suave remanso, sem nenhuma sensação de dor. Alentavam-se com a doce esperança do resgate. Estas almas eleitas aguardavam o Salvador no seio de Abraão; foi a elas que Cristo Nosso Senhor libertou, na descida aos infernos.
Não se deve, porém, julgar que Cristo desceu de tal maneira aos infernos, que ali só chegasse com Seu poder e virtude, e não com Sua própria alma. Devemos crer, ao contrário, que a própria Alma realmente desceu aos infernos, e ali esleve presente com todas as Suas faculdades. Assim o declara David em termos peremptórios: "Não deixareis Minha alma [abandonada] no inferno".
Mas, com descer aos infernos, Cristo nada perdeu de Seu imenso poder, e nem de leve conspurcou a limpidez de Sua santidade. Pelo contrário. Esse fato mostrou, à luz meridiana, como era verdade tudo o que se havia predito de Sua santidade; e que Cristo é Filho de Deus, conforme Ele mesmo tinha antes declarado, por meio de tantos milagres.
Ser-nos-á fácil compreender o que aconteceu, se compararmos entre si as causas por que Cristo e outros homens desceram àquele lugar.
Todos os mais desceram aos infernos na condição de cativos. Cristo, porém, "livre entre os mortos" e vitorioso, lá foi abater os demônios, que mantinham os homens presos e agrilhoados, em consequência do pecado.
Além disso, todos os outros que para lá desceram, uns eram atormentados pelo rigor das maiores penas; outros não sentiam dores propriamente, mas angustiavam-se com a privação de Deus, e com a retardança daquilo que tanto anelavam: a glória da eterna felicidade.
Ora, Cristo Nosso Senhor desceu [aos infernos], não para sofrer alguma pena, mas para livrar os Santos e Justos daquele doloroso cativeiro, e para lhes aplicar os frutos de Sua Paixão. Portanto, a descida aos infernos não diminuiu coisa alguma de Sua absoluta dignidade e soberania.
Depois destas explicações, o pároco ensinará que, descendo aos infernos, Cristo Nosso Senhor queria arrebatar as presas dos demônios, livrar do cárcere os santos Patriarcas e outros Justos, e levá-los ao céu em Sua companhia.
Foi o que Ele fez, de uma maneira admirável e sumamente gloriosa. Sua presença teve logo por efeito derramar entre os cativos uma luz de grande fulgor, incutir-lhes na alma um inefável sentimento de alegria e prazer, e conferir-lhes também a almejada felicidade, que consiste na visão de Deus. Realizou então a promessa que havia feito ao bom ladrão, quando lhe disse: "Hoje [ainda] estarás comigo no Paraíso".
Esta libertação dos Justos, Oséias a tinha predito muito tempo antes, ao prorromper nas palavras [proféticas]: "Ó morte, Eu hei de ser a tua morte; Eu hei de ser a tua ruina, ó inferno!" - O mesmo havia vaticinado o profeta Zacarias nestes termos: "Tu também, por causa do sangue de tua aliança, fizeste sair teus cativos do lago, em que não existe água". É o que afinal também exprime aquela afirmação do Apóstolo: "Desarmou os principados e as potestades, e arrastou-os publicamente ao pelourinho, depois de ter, por Si mesmo, triunfado sobre eles".
Para melhor apanharmos o sentido deste Mistério, devemos recordar muitas vezes uma grande verdade: Todos os justos, não só os que no mundo nasceram depois da vinda de Nosso Senhor, mas também os que hão de existir até a consumação dos séculos, conseguem salvar-se [unicamente pelo beneficio de Sua Paixão.
Por esse motivo, antes da Morte e Ressurreição de Cristo, as portas do céu não se abriram jamais a nenhum dos homens. Quando passavam deste mundo, as almas dos justos eram levadas ao seio de Abraão, ou eram purificadas no fogo do Purgatório, como ainda hoje se dá com todos aqueles que tenham de lavar alguma mancha, ou de solver alguma dívida.
Outra razão, afinal, por que Cristo Nosso Senhor desceu aos infernos, era a de manifestar ali Sua força e poder, como [o fez] no céu e na terra, para que de maneira absoluta "se curvasse a Seu nome todo joelho no céu, na terra e nos infernos".
Nesta altura, quem deixaria, pois, de admirar a suprema bondade de Deus para com o gênero humano? Quem não se tomará de espanto ao verificar que, por amor de nós, [Cristo] não só quis sofrer uma morte crudelíssima, mas até penetrar nas maiores profundezas da terra, para dali arrancar, e introduzir na glória as almas que tanto amava?

Por Luís Augusto - membro da ARS

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