Hóstia - o pão usado no culto cristão - Parte 1

Pax et bonum!

Um sacerdote desta Arquidiocese de Teresina entrou em contato conosco, dizendo que um fabricante de hóstias estava interessado em conhecer mais sobre seu próprio trabalho. Para encontrar mais informações, pediu-nos ajuda.
Pois bem, seguindo para a famosa Catholic Encyclopedia, encontramos um bom artigo e decidimos traduzir e disponibilizar em nosso blog.
Por conta de seu tamanho, nós o dividimos em duas postagens. Além disso, não traduzimos sua última parte, que trata de milagres, o que, embora seja interessante, não está no escopo desta postagem.
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Hóstia
Aspectos históricos e arqueológicos
O pão destinado a receber a Consagração Eucarística é comumente chamado de hóstia, e embora este termo possa ser comumente aplicado ao pão e ao vinho do Sacrifício, é mais especialmente reservado ao pão.
De acordo com Ovídio, a palavra vem de hostis, inimigo: "Hostibus a domitis hostia nomen habet", porque os antigos ofereciam seus inimigos vencidos como vítimas para os deuses. Todavia, é possível que hostia seja derivada de hostire, golpear, como se vê em Pacúvio. No Ocidente o termo tornou-se geral sobretudo pelo uso feito dele na Vulgata e na Liturgia (Rm 12,1; Fl 4,18; Ef 5,2; Hb 10.12; Mabillon, "Liturg. Gall. vetus", pp. 235, 237, 257; "Missale Mozarab.", ed. Leslie, p. 39; "Missale Gothicum", p. 253). Era aplicado a Cristo, a Vítima Imolada, e, por via de antecipação, ao pão ainda não consagrado destinado a tornar-se Corpo de Cristo. Na Idade Média também era conhecida como "hoiste", "oiste", "oite".
Com o tempo a palavra adquiriu seu atual significado especial; por razão de seu uso geral na liturgia, ela já não transmitia a ideia original de vítima. Vários outros nomes foram dados à hóstia, por exemplo: "bucellae", "circuli", "coronae", "crustulae ferraceae", "denaria", "fermentum", "formatae", "formulae", "panes altaris, eucharistici, divini, dominici, mysteriorum, nummularii, obiculares, reticularii, sancti, sanctorum, tessellati, vitae"; "nummi", "particulae", "placentae", "placentulae obiculares", "portiones", "rotulae", "sensibilia", etc.
Os gregos chamam a hóstia de artos (pão), dora (dons), meridia (partículas) e prosphora (oferendas, oblatas). Depois da Consagração as partículas tomam o nome de margaritai (pérolas). Antes de sua Consagração, os Coptas chamam a hóstia de "baraco"; os Sírios de "paristo" (pão), "burschan" (primeiros frutos) e "kourbano" (oblação); os Nestorianos de "xatha" (primogênito) ou "agnus" (cordeiro), e os Mingrelianos (N.T.: uma subetnia da Geórgia) de "sabisquiri". Depois da Consagração os Coptas chamam a Hóstia de "Corban" (oblação); os Jacobitas de "tabho" (selos); os Sírios de "gamouro" (carvões acesos), e, por antecipação, estes nomes algumas vezes são aplicados ao pão mesmo antes de sua Consagração.

Matéria
A matéria válida para a hóstia Eucarística é o trigo puro reduzido a farinha, diluído com água natural, e assado com fogo. Alguns teólogos discutiram o uso de várias farinhas, mas se excetuarmos Paludano, que considera válido o pão com amido, ou Caetano, que permite o pão feito com qualquer tipo de grão e diluído com leite, podemos dizer que os teólogos estão de acordo ao rejeitar trigo sarraceno, cevada, aveia, etc. São Tomás autoriza o uso de siligo, mas este termo parece obscuro. Em Plínio e Celso ele significa farinha de trigo, mas São Tomás não usa siligo com o mesmo significado, razão por que se fala de tolerá-lo. Ademais, se ele estivesse se referindo a centeio, teria usado a palavra secale. Talvez por siligo ele tenha desejado designar um tipo inferior de trigo crescido em solo ruim.

Ingredientes
A preparação da hóstia fez surgir entre algumas seitas gnósticas práticas chocantes e abomináveis, das quais há um relato detalhado nos escritos de Santo Epifânio. Às vezes, a carne de um feto era triturada e misturada com aromatizantes; às vezes, a farinha era amassada com o sangue de uma criança, e havia outros procedimentos por demais ofensivos para serem mencionados. Mas estes horrores eram perpetrados apenas por alguns poucos grupos degenerados (Epifânio, "Haer.", c. xxvi, 5; Agostinho, "Haer.", xxvi, xxvii). Menos ofensivos eram os Artotiritas e os que, como eles, compunham uma mistura de pão e queijo, ou, seguindo a moda dos Barsanianos, usavam uma pitada de farinha não diluída.
Todas as comunhões (N.T.: no sentido de igrejas) Orientais, com exceção dos Armênios e Maronitas, usam pão fermentado. Sabemos quão seriamente os Gregos consideraram a questão do pão ázimo. Mas seja fermentado ou ázimo, pão é o elemento, e um grande número de gregos admite que ambos os tipos constituem matéria válida para o sacramento. Na Igreja Ocidental é prática uniforme usar o pão ázimo. Propriamente falando, os Luteranos dão pouca importância a se o pão é fermentado ou não, mas geralmente usam ázimo. Os Calvinistas só usam pão comum, embora quando sua seita estava ainda no início eles tivessem certa indecisão neste ponto. Em Genebra, o pão fermentado foi usado por muitos anos e Teodoro de Beza manteve que qualquer tipo de pão, qualquer que fosse a sua origem, era adequado para a Eucaristia. A Liturgia Anglicana de 1549 prescreve o uso de pão ázimo. No Oriente, os Sírios Jacobitas e os Nestorianos amassam o seu pão do altar com óleo e sal, costume censurado pelos Egípcios. Os Sabaítas ou Cristãos de São João fazem suas hóstias com trigo, vinho e óleo; os Coptas e os Abissínios consagram com pão fermentado exceto na Quinta-feira Santa e no dia 12 de junho, e os Mingrelianos usam todo tipo de pão, sendo suas hóstias comumente feitas de trigo misturado com água e vinho.

Preparação
Não há nenhum indício de que os primeiros cristãos tenham pensado em reproduzir a aparência dos "pães da preposição" da liturgia judaica; eles simplesmente usaram o pão que servia de alimento. 
Parece que a forma diferia apenas um pouco da de nossos dias. Os pães descobertos num forno de uma padaria em Pompeia (N.T.: cidade do sul da Itália inteiramente destruída pela erupção do vulcão Vesúvio no ano 79) pesavam cerca de 450g cada. Um destes, perfeitamente conservado, media cerca de 18cm de diâmetro e era marcado com sete sulcos que facilitavam o pão ser partido sem a necessidade de uma faca. 
Um dos pães de Pompeia
Outros pães representados em baixo-relevo, sobretudo no Museu Lateranense, trazem uma incisão na forma de duas linhas cruzadas e, por esta razão, foram chamados de quadra. Pães deste tipo devem ter sido preferidos para a oblação Eucarística porque o sinal da cruz já estava traçado neles; de fato, os mais antigos monumentos cristãos mostram-nos pães marcados assim. 
Mosaico do séc. V ou VI na Igreja da Multiplicação, em Tabgha, Israel
Pinturas nas catacumbas e alguns antigos baixos-relevos representam pães marcados com este sinal e outros simplesmente marcados com um ponto. Os sulcos eram feitos para facilitar o partir do pão e é provável que seu número fosse regulado pelo tamanho de um pão comumente utilizado. Um afresco no cemitério de Lucina representa um peixe, símbolo de Cristo, e atrás dele um cesto contendo o vinho e o pão Eucarísticos, este último marcado com um ponto. 
Mosaico do séc. II na Cripta de Lucina, nas Catacumbas de Roma
Uma peça de mármore de Modena mostra 5 pães marcados com uma cruz.
Por respeito ao sacramento, alguns dos fiéis não consentiriam em ter este pão feito por padeiros, e encarregavam-se disso eles mesmos. Vários antigos exemplos são citados, notadamente o de Cândida, a esposa de um dos generais de Valeriano, que "trabalhou a noite inteira amassando e moldando com suas próprias mãos o pão da oblação". Na Regra de São Pacômio, recomendava-se aos religiosos que se entregassem à meditação enquanto amassavam o pão sacrifical. A Rainha Radegundes é mencionada pela reverência com que assistia a preparação das hóstias destinadas a serem consumidas em seu mosteiro de Poitiers e em várias igrejas das redondezas. Teodulfo, Bispo de Orleans, ordenava a seus presbíteros que ou fizessem os pães do altar eles mesmos ou encarregassem jovens clérigos para fazê-lo em suas presenças. Vários fatos mostram a prevalência e a extensão deste costume. Nos mosteiros as hóstias eram feitas principalmente durante as semanas que precediam as festas do Natal, da Páscoa e Pentecostes, e o processo assumia um caráter bastante solene. Em Cluny três presbíteros ou três diáconos, em jejum e tendo recitado o Ofício de Laudes, os Sete Salmos Penitenciais e a Ladainhas, tomavam um ou dois irmãos leigos como seus assistentes. Os noviços colhiam, separavam e amassavam os grãos de trigo, e a farinha assim obtida era colocada numa mesa com bordas. Ela então era misturada com água fria, e um irmão leigo, usando luvas, punha esta massa no molde de ferro usado para fazer as hóstias e assava-as em fogo alto, aceso com ramos de videira. Dois outros operadores pegavam as hóstias, assim que assadas, cortavam e preparavam-nas, e, se necessário, descartavam as que estivessem manchadas ou quebradas.
Na Abadia de São Dênis, aqueles que faziam os pães do altar jejuavam. Eles tomavam uma porção do melhor trigo, selecionavam grão por grão, lavavam-nos e punham-nos num saco a ser levado para o moinho, sendo que as mós (N.T.: pedras de moer) eram lavadas para esta ocasião. Um religioso, então, vestia uma alva e amassava o trigo enquanto dois presbíteros e dois diáconos, vestidos com alva e amito, preparavam a massa em água fria e assavam as hóstias. Em Saint-Etienne de Caen, os religiosos empregados neste trabalho jantavam juntos, no dia, e sua mesa era servida como a do abade. Alguns mosteiros cultivavam o trigo Eucarístico num campo especial que chamavam de campo do "Corpus Domini". Du Cange menciona uma carta datada de 1406 pela qual parecia que mulheres, mesmo religiosas, eram proibidas de fazer hóstias; mas é duvidoso que esta medida em geral tenha sido posta em vigor. Santa Radegundes certamente teve vários imitadores, apesar do preconceito contra a fabricação de hóstias por leigos ou mulheres, um preconceito tão arraigado que, na Idade Média, havia pessoas na Diocese de Narbonne que acreditavam que hóstias feitas por mulheres não estavam qualificadas para a transubstanciação.
Um eco disso encontra-se em atos oficiais. O Concílio de Milão, em 1576, prescreve a fabricação de hóstias em mosteiros e proíbe-a a leigos. Um concílio de Cambrai, em 1631, ordena que "em cada cidade deve haver uma pessoa encarregada de fazer os pães do altar do melhor e mais puro trigo e segundo a maneira indicada a ela. O encarregado deve previamente fazer um juramento de cumprir fielmente os deveres de seu ofício. Ele não tem permissão de comprar de outros o pão a ser usado no Santo Sacrifício". No início do séc. XIV a fabricação de hóstias tornou-se um negócio. A confraria dos obreieiros (fabricantes de hóstias) tinham uma autorização eclesiástica especial para fazer este trabalho. O liturgista Claude de Vert menciona um sinal usado por eles no séc. XVIII na cidade de Puy: "Aqui se fazem belas hóstias com a permissão do senhor bispo de Puy". Antes da Revolução Francesa, em várias dioceses, cada padre fazia as hóstias usadas em sua própria igreja. Atualmente várias paróquias recorrem a comunidades religiosas, que fazem uma especialidade de pães do altar. Isto oferece uma garantia contra as falsificações sempre a serem temidas quando se recorre ao comércio: fabricantes inescrupulosos tinham sido culpados de adulterar a farinha de trigo com alume, sulfato de zinco e cobre, carbonato de amônia, potássio ou magnésio, ou também de substituir a farinha de trigo por farinho de feijão ou farinha de arroz ou batata.
Na Idade Média, como dito, a fabricação de hóstias tinha lugar em três ou quatro festas principais do ano. Esta prática foi abandonada posteriormente por conta da possível alteração química da substância do pão quando armazenado por um longo tempo. São Carlos Borromeu ordenou que todos os padres de sua diocese utilizassem para o Santo Sacrifício apenas hóstias com menos de 20 dias de feitas. A Congregação dos Ritos condenou o abuso de consagrar hóstias que, no inverno, já contassem três meses e, no verão, seis.
Algumas prescrições das Igrejas Orientais são dignas de nota; ademais, algumas delas ainda estão em vigor. As Constituições atribuídas a São Cirilo de Alexandria prescrevem que o pão Eucarístico deve ser assado no forno da igreja (Renaudot, "Liturg. orient. coll.", I, 189); entre os Coptas, Sírios, Jacobitas, Melquitas, Nestorianos e Armênios, os pães do altar devem ser assados no próprio dia de sua consagração. Na "Coleção Canônica" de Bar-Salibi há prescrições quanto à escolha do trigo que diferem apenas um pouco das do Ocidente. Na Etiópia, cada igreja deve ter um forno especial para fazer as hóstias. Na Grécia e na Rússia os pães do altar são preparados por presbíteros, viúvas, esposas ou filhas de presbíteros, ou as assim chamadas calogerae, isto é, freiras, enquanto que, na Abissínia, mulheres são excluídas. Os Nestorianos de Malabar, depois de amassar a farinha com fermento, estão acostumados a trabalhar com um pouco do fermento restante do cozimento precedente. Eles acreditam que esta prática data dos mais antigos tempos cristãos e que preserva o fermento trazido para a Síria pelos Santos Tomé e Tadeu, pois, de acordo com a tradição Nestoriana, os Apóstolos, antes de se separarem, teriam  celebrado a Liturgia em comum e cada um levou consigo uma porção do pão então consagrado.

Fonte: Leclercq, Henri. "Host." The Catholic Encyclopedia. Vol. 7. New York: Robert Appleton Company, 1910.
Disponível em <http://www.newadvent.org/cathen/07489d.htm>.

Para ver a parte 2, clique aqui.

Traduzido por Luís Augusto - membro da ARS

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