"Qui procedis ab utroque" - um hino de mais de 800 anos ao Espírito Santo

Pax et bonum!

Procurando na obra Paradisum Animae Christianae, já citada noutra postagem, orações a Deus Espírito Santo, encontrei um belo hino que começa com o verso "Qui procedis ab utroque". Todavia, dele encontrei mais de uma versão.
Parece certo que seu autor é Adão de São Victor, um dos mais ilustres poetas litúrgicos, tido para alguns como o maior dos poetas latinos sacros da idade média. Francês, nasceu na segunda metade do séc. XII. Foi cantor na Catedral de Notre-Dame de Paris e depois viveu na Abadia de São Victor, em Paris, morrendo por volta de 1146.
Depois da dissolução da Abadia, por conta da Revolução Francesa (séc. XVIII), seus trabalhos lá preservados foram parar na Bibliothèque Nationale, sendo encontrados posteriormente e publicados no séc. XIX.
A letra do hino, abaixo transcrita, sendo cada estrofe seguida de uma tradução livre nossa (ligeira, despretensiosa, mais ou menos literal, apenas indicativa), foi tomada da obra Sacred Latin Poetry, de 1849, e é igual à da obra Oeuvres poétiques d'Adam de St. Victor, cujos textos foram posteriormente publicados numa edição inglesa, em 1881.
Que por este hino nossa alma considere com mais gratidão o inestimável dom do Espírito Santo, Senhor adorável, Paráclito, Defensor nosso, para o qual nos preparamos nestes últimos dias da Páscoa.

Hino ao Espírito Santo ou Da Festividade de Pentecostes

QUI PROCEDIS AB UTROQUE,
genitore genitoque
pariter, Paraclite,
(Vós que de cada um procedeis,
 do que gera e do gerado
 igualmente, Paráclito.)

Redde linguas eloquentes,
fac ferventes in te mentes
flamma tua divite.
(Tornai as línguas eloquentes,
 afervorai em vós as mentes
 com vossa chama ricamente.)

Amor Patris Filiique,
par amborum et utrique
compar et consimilis;
(Amor do Pai e do Filho,
igual a ambos e a cada um
semelhante e parecido.)

Cuncta reples, cuncta foves,
astra regis, coelum moves,
permanens immobilis.
(Tudo encheis, tudo aqueceis,
os astros regeis, os céus moveis,
permanecendo imóvel.)

Lumen carum, lumen clarum,
internarum tenebrarum
effugas caliginem.
(Luz amada, luz tão clara,
das trevas interiores
retirais as densas nuvens.)

Per te mundi sunt mundati;
tu peccatum et peccati
destruis rubiginem.
(Por vós são lavados os que são do mundo;
vós destruís o pecado
e do pecado a ferrugem.)

Veritatem notam facis,
et ostendis viam pacis
et iter iustitiae.
(Fazeis aparecer a verdade,
mostrais a via da paz
e da justiça o caminho)

Perversorum corda vitas,
et bonorum corda ditas
munere scientiae.
(Evitais os corações dos perversos,
e falais aos corações dos bons
com o dom da ciência.)

Te docente nil obscurum,
te praesente nil impurum;
sub tua praesentia
(Quando ensinais não há obscuro,
quando estais junto, nada impuro,
sob a vossa presença.)

Gloriatur mens iucunda,
per te laeta, per te munda
gaudet conscientia.
(Glorie-se a mente feliz,
por vós alegre, por vós purificada
regozije a consciência.)

Tu commutas elementa;
per te suam sacramenta
habent efficaciam:
(Vós mudais os elementos,
e de vós os sacramentos
têm a sua eficácia.)

Tu nocivam vim repellis,
tu confutas et refellis
hostium nequitiam.
(Repelis a força nociva,
refreais e rebateis
a maldade dos inimigos.)

Quando venis, corda lenis;
quando subis atrae nubis
effugit obscuritas.
(Quando vindes, os corações acalmais;
quando passais, das nuvens negras,
se esvaem as trevas.)

Sacer ignis, pectus ignis
non comburis, sed a curis
purgas, quando visitas.
(Fogo santo, o peito inflamais,
não queimais, mas purificais
das ansiedades, quando visitais.)

Mentes prius imperitas
et sopitas et oblitas
erudis et excitas.
(As mentes antes ignorantes,
sonolentas e esquecidas,
instruís e despertais.)

Foves linguas, formas sonum,
cor ad bonum facit pronum
a te data caritas.
(Repartis as línguas, dais o som,
inclinais o coração ao que é bom,
ao amor, o vosso dom.)

O iuvamen oppressorum,
o solamen miserorum,
pauperum refugium,
(Ó auxílio dos oprimidos,
ó conforto dos miseráveis,
ó refúgio dos pobres.)

Da contemptum terrenorum,
Ad amorem supernorum
Trahe desiderium.
(Dai o desprezo dos bens terrenos
e, ao amor dos bens celestes,
atraí o desejo.)

Pelle mala, terge sordes,
et discordes fac concordes,
et affer praesidium.
(Afastais os males, limpai as impurezas,
e uni os que estão em discórdia,
e dai-nos proteção.)

Tu qui quondam visitasti,
docuisti, confortasti
timentes discipulos,
(Vós que, quando primeiramente viestes,
ensinastes, confortastes,
os discípulos medrosos,)

Visitare nos digneris,
nos, si placet, consoleris
et credentes populos.
(Dignai-vos visitar-nos,
se quiserdes, consolai-nos
e ao povos que têm fé.)

Par maiestas personarum,
par potestas est earum,
et communis deitas:
(Igual na majestade das Pessoas,
igual no poder também sois
e na comum divindade.)

Tu procedens a duobus,
coaequalis es ambobus;
in nullo disparitas.
(Vós, procedendo dos dois,
igual sois a ambos;
sem disparidade em coisa alguma.)

Quia tantus es et talis,
quantus Pater est et qualis,
servorum humilitas
(Pois tanto e tal sois,
quanto e qual é o Pai,
ó humildade dos servos)

Deo Patri Filioque
Redemptori, tibi quoque
laudes reddat debitas. Amen.
(A Deus Pai e ao Filho
Redentor, e a vós também
o devido louvor. Amém.)

Uma partitura gregoriana com quase todas estas estrofes está disponível aqui.
Algumas informações sobre o autor foram tiradas da Catholic Encyclopedia.

Por Luís Augusto - membro da ARS

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