Os passos da reforma litúrgica pós-conciliar - Discurso de Paulo VI no fechamento da VIII Sessão Plenária do "Consilium"

Pax et bonum!

Prosseguimos no primeiro semestre de 1967; agrava-se a situação das mudanças arbitrárias; o mundo católico prossegue celebrando há 2 anos a Missa simplificada, segundo as alterações da Inter Oecumenici, de 1964; publicações aparecem com críticas à Reforma ou antes à "reforma" anárquica que se faz em vários lugares, ignorando o que realmente vem da Santa Sé; o Consilium já trabalha nas novas orações eucarísticas, possivelmente no novo ritual das ordenações e, em pouco tempo, um documento oficial citará a Comunhão de pés; após menos de 3 anos é erigida formalmente a Foederatio Internationalis UNA VOCE, da qual falaremos em outra postagem.
Ao fim da oitava sessão do "Consilium", o Papa Paulo VI demonstra sua gratidão, sua confiança e seu apoio ao "Consilium" e seus trabalhos. Ao mesmo tempo reconhece cada vez mais preocupado aquilo que veio a chamar de "uma tendência a 'dessacralizar' (...) a Liturgia (...) e com isso, fatalmente, o cristianismo".

Discurso de Paulo VI 
no fechamento da VIII Sessão Plenária do 
"Consilium ad exsequendam Constitutionem de Sacra Liturgia"
Quarta-feira, 19 de abril de 1967

É para nós coisa muita grata exprimir o nosso reconhecimento ao Card. Giacomo Lercaro pelas nobres e deferentes palavras a nós dirigidas, também em nome desta Assembleia.
Atendemos de boa vontade, não obstante a pressão dos empenhos destes dias, ao chamado deste encontro, para saudar os membros deste "Consilium ad exsequendam Constitutionem de Sacra Liturgia", por nós instituído para estudar a revisão dos livros litúrgicos do rito latino, segundo o espírito e as normas do recente Concílio, e para assim procurar uma sábia colaboração, conosco e com o nosso dicastério preposto para a disciplina dos Ritos, em matéria de tanta complexidade e importância.
E em verdade o "Consilium" merece que nós lhe renovemos a expressão de nossa estima, de nossa confiança, de nosso encorajamento. Sabemos, deveras, por quais e quantas pessoas ele é composto: pessoas assaz qualificadas pela ciência e pelo amor da Sagrada Liturgia; sabemos da quantidade de trabalho em que o "Consilium" teria que colocar as mãos, qual a gravidade e a variedade de problemas que devia enfrentar, qual o ritmo de trabalho estabelecido para concluir num tempo razoavelmente breve o dever que lhe foi confiado. Sabemos também quais os critérios que presidem obra tão difícil e delicada; e são aqueles claramente afirmados na Constituição "Sacrosanctum Concilium", no n. 23, fielmente recordados pelo nosso "Consilium". Vale a pena honrá-los citando-os: "Para conservar a sã tradição e abrir ao mesmo tempo o caminho a um progresso legítimo, faça-se uma acurada investigação teológica, histórica e pastoral acerca de cada uma das partes da Liturgia que devem ser revistas. Tenham-se ainda em consideração às leis gerais da estrutura e do espírito da Liturgia, a experiência adquirida nas recentes reformas litúrgicas e nos indultos aqui e além concedidos. Finalmente, não se introduzam inovações, a não ser que uma utilidade autêntica e certa da Igreja o exija, e com a preocupação de que as novas formas como que surjam a partir das já existentes".
E por isso compreendemos quanto esta empresa, à qual atendeis e a partir da qual a Santa Sé atrai matéria e argumento para a sua grande missão animadora e dirigente da oração do Povo de Deus, possa suscitar reações de gêneros diversos, estudos de caso variados, problemas novos, não sem alguma interpretação abusiva, ou qualquer comentário discutível. Se é na natureza das coisas que as inovações produzem às vezes avaliações inadequadas e aplicações imperfeitas, nós, todavia, sentimos dever ao "Consilium" o nosso reconhecimento e a comum satisfação; assim é-nos propícia a ocasião não só para encorajar a árdua obra do "Consilium", mas para exortar clero e fieis a apreciar-lhe o valor e a acolher-lhe a eficácia.
Não podemos, a este propósito, calar a nossa amargura por alguns fatos e algumas tendências, que certamente não favorecem os bons resultados, que a Igreja espera dos operosos estudos do "Consilium". O primeiro destes fatos diz respeito a um injusto e irreverente ataque, proveniente de uma recente publicação, contra a venerada pessoa do ilustre e eminente Presidente do próprio "Consilium", o sr. Cardeal Giacomo Lercaro.
Tal publicação, como é óbvio, não pode ter o nosso consenso; essa não edifica ninguém, e não logra por isso nenhuma vantagem para a causa que deseja defender, a conservação da língua latina na liturgia; questão esta digna de toda atenção, mas que não se resolve em sentido contrário ao grande princípio, reafirmado pelo Concílio, da inteligibilidade, por parte do povo, da oração litúrgica, nem ao daquele outro princípio, hoje reivindicado pela cultura da coletividade, de poder exprimir os próprios sentimentos, mais profundos e mais sinceros, em linguagem viva. Deixando então de lado a questão do latim na liturgia, mais prejudicada do que defendida pela publicação em questão, desejamos manifestar ao Cardeal Lercaro a expressão de nosso lamento e de nossa adesão.
Outro motivo de dor e de apreensão são os episódios de indisciplina, que em várias regiões se difundem nas manifestações do culto comunitário, e que assumem formas deliberadamente arbitrárias, algumas vezes totalmente disformes das normas vigentes na Igreja, com grave perturbação dos bons fieis e com inadmissíveis motivações, perigosas para a paz e a ordem da própria Igreja e pelos desconcertantes exemplos que essas difundem. Queremos recordar, a este propósito, quanto reafirma o Concílio, recém-celebrado, sobre o ordenamento da Sagrada Liturgia; ordenamento que "compete unicamente à autoridade da Igreja" (Const. Sacros. Conc., n. 22); no entanto mais nos impulsiona a exprimir a nossa confiança de que o Episcopado quererá vigiar sobre estes episódios e tutelar a harmonia própria do culto católico no campo litúrgico e religioso, objeto de cuidados assíduos e delicados neste momento pós-conciliar; assim estendemos esta nossa exortação às famílias religiosas, das quais a Igreja espera hoje, mais do que nunca, o contributo da fidelidade e do exemplo; e a manifestamos ao Clero e a todos os fieis, a fim de que não se deixem invadir pela veleidade destas experiências caprichosas, mas procurem antes dar perfeição e plenitude aos ritos prescritos pela Igreja. Recomendação esta que toca também uma das prerrogativas do "Consilium", a de moderar sabiamente as experiências litúrgicas individuais, que pareceram merecer uma atuação responsável e estudada.
Porém mais grave causa de aflição para nós é a difusão de uma tendência a "dessacralizar", como se ousa dizer, a Liturgia (se ela ainda merece conservar este nome) e com isso, fatalmente, o cristianismo. A nova mentalidade, da qual não seria difícil encontrar as turvas fontes, e sobre a qual se tenta fundar esta demolição do autêntico culto católico, implica tais subversões doutrinais, disciplinares e pastorais, que não hesitamos considerá-la aberrante; e dizemo-lo com pena, não só pelo espírito anti-canônico e radical que gratuitamente professa, mas antes pela desintegração religiosa, que ela fatalmente traz consigo.
Não ignoramos que todo movimento ideológico pode conter algum bom fragmento de verdade, e que os promotores de novidade podem ser pessoas boas e cultas; e nós estamos sempre abertos a considerar também os aspectos positivos de todo fenômeno eclesial; mas não devemos esconder, a vós especialmente, a ameaça de ruínas espirituais que este parece-nos representar.
Para evitar tanto perigo, para chamar as pessoas, revistas, instituições que podem ser influenciadas, para a colaboração sábia e positiva com a Igreja de Deus, para defender as doutrinas e as normas do Concílio Ecumênico, vós agora, mais que os outros, sois chamados a delinear aquele rosto da Sagrada Liturgia, que nos mostra a verdade, a beleza, a espiritualidade, e que sempre melhor há de transparecer o mistério pascal que nela vive, para a glória de Deus e para a regeneração espiritual das multidões distraídas, mas sedentas, do mundo contemporâneo.
E confiamos que isto possa felizmente acontecer, com a ajuda de Deus, se devermos julgar pela seriedade e pela importância dos vossos trabalhos, e dos primeiros resultados da reforma litúrgica, os quais são, sob certos aspectos, realmente consoladores e promissores. A oração autêntica da Igreja refloresce em nossas comunidades populares; e isto é aquilo de mais belo e mais promissor que o nosso tempo, tão enigmático, tão inquieto e tão cheio de terrena vitalidade, oferece ao olhar todo-amoroso de Cristo.
Continuai, portanto, serena e diligentemente no vosso trabalho; "Deus o quer", podemos dizê-lo, para sua honra, para a vida da Igreja, para a salvação do mundo; e sempre com a nossa Bênção Apostólica.

Fonte: 

Obs: no texto latino do Osservatore Romano de 20/04/1967, constam essas palavras do Cardeal Lercaro:

(...) As principais atividades desta sessão foram o exame e a aprovação, de nossa parte, dos novos textos para a oração eucarística, bem como a preparação dos esquemas contendo os princípios e leis das partes principais de nosso trabalho, que serão submetidos ao próximo sínodo dos bispos...
Além desses trabalhos, que absorveram a maior parte de nossa atenção, estudamos igualmente outras questões, não menos importantes certamente, mas que não podem ainda ser consideradas como perfeitamente acertadas. Estas questões dizem respeito, sobretudo, ao batismo das crianças e ao matrimônio. Esperamos, no entanto, que elas cheguem logo ao porto com facilidade (...).

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