Audiência Geral de 19/11/1969 - Paulo VI

Pax et bonum!

Normalmente quando se estuda algo sobre a entrada em vigor do novo Ordinário da Missa, em 1969, por conta da Constituição Apostólica Missale Romanum de Paulo VI (03/04/1969), cita-se as audiências gerais de 19 e 26 de novembro do mesmo ano. Por conta disso decidi traduzir as duas.
É possível ver nas palavras do Santo Padre uma mescla de entusiasmo e de preocupação.
Três anos (1972) foram suficientes para depois encontrarmos um Paulo VI aparentemente decepcionado, fazendo menções ao demônio e afirmando numa homilia de uma grande Solenidade em Roma - a dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo (29 de junho) - que "por alguma fissura a fumaça de Satanás entrou no templo de Deus". Esta afirmação, como revelado pelo Card. Virgílio Noé, tratava daqueles "prelados que faziam da Santa Missa uma palha seca em nome da criatividade" dado que Paulo VI sustentava que "na verdade estavam possuídos da vanglória e do orgulho do maligno" e que por isso sofreu "creditando o fenômeno a um ataque do demônio".
Hoje, 39 anos depois, convém refletir seriamente (o que é imperioso sobretudo para os sacerdotes) e fazer algo a respeito.

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PAULO VI
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 19 de novembro de 1969

Tradução por Luís Augusto Rodrigues Domingues

Acolher com alegria e aplicar com unânime observância o novo ordenamento litúrgico

Diletos filhos e filhas,

queremos chamar a vossa atenção sobre o que está prestes a acontecer na Igreja católica latina, e que terá sua aplicação obrigatória nas Dioceses italianas a partir do próximo Primeiro Domingo do Advento, que neste ano cai no dia 30 de novembro. Trata-se da introdução na Liturgia do novo rito da Missa. A Missa será celebrada em uma forma um tanto diferente daquela a que, de quatro séculos até hoje, isto é, desde São Pio V, depois do Concílio de Trento, estávamos acostumados a celebrar.
Esta mudança tem algo de surpreendente, de extraordinário, já que a Missa é considerada como expressão tradicional e intangível de nosso culto religioso, da autenticidade da nossa fé. As pessoas tendem a perguntar: para que tal mudança? E em que consiste esta mudança? Quais as consequências que isto comporta para aqueles que participam da Missa? As respostas a estas perguntas, e a outras similares provocadas por uma novidade tão singular, ser-vos-ão dadas e amplamente repetidas em todas as igrejas, em todas as publicações de índole religiosa, em todas as escolas, onde se ensina a doutrina cristã. Exortamo-vos a dardes atenção a elas, procurando assim apurar e aprofundar qualquer tanto a estupenda e misteriosa noção da Missa.

A INTENÇÃO DO CONCÍLIO

Todavia, por este discurso breve e elementar, procuramos tirar de vossas mentes as primeiras e espontâneas dificuldades levantadas por tal mudança, em relação às três perguntas, que de imediato isso fez surgir em vossas almas.

Para que tal mudança? Resposta: deve-se a uma vontade expressa do Concílio ecumênico, há pouco celebrado. O Concílio assim falou: “O Ordinário da missa deve ser revisto, de modo que se manifeste mais claramente a estrutura de cada uma das suas partes bem como a sua mútua conexão, para facilitar uma participação piedosa e ativa dos fiéis. Que os ritos se simplifiquem, bem respeitados na sua estrutura essencial; sejam omitidos todos os que, com o andar do tempo, se duplicaram ou menos utilmente se acrescentaram; restaurem-se, porém, se parecer oportuno ou necessário e segundo a antiga tradição dos Santos Padres, alguns que desapareceram com o tempo” (Sacr. Concilium, 50).
A reforma, portanto, que está para ser divulgada, corresponde a um mandato autorizado da Igreja; é um ato de obediência; é um fato de coerência da Igreja consigo mesma; é um passo avante de sua autêntica tradição; é uma demonstração de fidelidade e de vitalidade, à qual todos devem prontamente aderir. Não é um arbítrio. Não é um experimento caduco e facultativo. Não é uma improvisação de qualquer amador. É uma lei pensada por cultores autorizados da Sagrada Liturgia, há muito discutida e estudada; faremos bem em acolhê-la com alegre interesse e em aplicá-la com pontual e unânime observância. Esta reforma põe fim às incertezas, às discussões, aos arbítrios abusivos; e chama-nos àquela uniformidade de ritos e de sentimentos, que é própria da Igreja católica, herdeira e continuadora daquela primeira comunidade cristã, que era toda “um só coração e uma só alma” (At 4,32). Este “ser um coro”, da oração na Igreja, é um dos sinais e uma das forças da sua unidade e de sua catolicidade. A mudança, que está para chegar, não deve romper, nem perturbar este coro: deve confirmá-lo e fazê-lo ressoar com novo espírito, com ar juvenil.

SUBSTÂNCIA INALTERADA

Outra pergunta: em que consiste a mudança? Vereis. Consiste em várias novas prescrições rituais, as quais exigirão, especialmente de início, um tanto de atenção e cuidado. A devoção pessoal e o senso comunitário tornarão fácil e gradual a observância destas novas prescrições. Mas que esteja bem claro: nada se mudou na substância da nossa Missa tradicional. Alguém pode talvez deixar-se impressionar por alguma cerimônia particular, ou por alguma rubrica anexa, como se fosse ou ocultasse uma alteração ou uma minimização da verdade desde sempre abraçada e oficialmente sancionada pela fé católica, como se a equação entre a lei da oração, “lex orandi”, e a lei da fé, “lex credendi”, resultasse comprometida.

Mas não é assim. De modo algum. Antes de tudo porque o rito e a rubrica não são por si uma definição dogmática, e são suscetíveis a uma qualificação teológica de valor diferente segundo o contexto litúrgico a que se referem; são gestos e termos que se referem a uma ação religiosa vivida e vivente de um mistério inefável de presença divina, nem sempre realizada de forma unívoca, ação que somente a crítica teológica pode analisar e exprimir em fórmulas doutrinais logicamente satisfatórias. E depois, porque a Missa do novo ordinário é e permanece, ainda que com uma evidência acrescida em certos aspectos seus, a de sempre. A unidade entre a Ceia do Senhor, o Sacrifício da Cruz, a renovação representativa de uma e de outro na Missa é inviolavelmente afirmada e celebrada no novo ordinário, como no precedente. A Missa é e permanece a memória da última Ceia de Cristo, na qual o Senhor, mudando o pão e o vinho no seu Corpo e no seu Sangue, instituiu o Sacrifício do Novo Testamento, e quer que, mediante a virtude do seu Sacerdócio, conferida aos Apóstolos, fosse renovado na sua identidade, somente oferecido de modo diverso, isto é, de modo incruento e sacramental, em perene memória dele, até seu último retorno (cf. DE LA TAILLE, Mysterium Fidei, Elucid. IX).

MAIOR PARTICIPAÇÃO

E se no novo rito encontrardes posta em melhor clareza a relação entre a Liturgia da Palavra e a Liturgia propriamente eucarística, esta quase como resposta realizadora daquela (cf. Bouyer), ou se observardes quanto se reclama à celebração do sacrifício eucarístico a assistência da assembleia dos fieis, os quais na Missa estão e se sentem plenamente “Igreja”, ou se verdes ilustradas outras maravilhosas propriedades da nossa Missa, não acrediteis que isto tenha a intenção de alterar-lhe a genuína e tradicional essência; sabei ademais apreciar como a Igreja, mediante esta linguagem nova e comum, deseja dar maior eficácia à sua mensagem litúrgica, e quer de maneira mais direta e pastoral aproximá-la de cada um de seus filhos e de todo o Povo de Deus junto.

E respondamos assim à terceira pergunta que nos propomos: que consequências produzirá a inovação, de que estamos tratando? As consequências previstas, ou melhor, desejadas, são as de uma participação mais inteligente, mais prática, mais desfrutada e mais santificante dos fieis no mistério litúrgico, à escuta da Palavra de Deus, viva e ressoante nos séculos e na história singular de nossas almas, e à realidade mística do sacrifício sacramental e propiciatório de Cristo.

Não falemos doravante de “nova Missa”, mas sim de “nova época” da vida da Igreja. Com a Nossa Bênção Apostólica.

(Seguem-se saudações particulares para alguns grupos.)

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Obs: Favor avisar sobre qualquer problema, imprecisão ou equívoco na tradução.

Por Luís Augusto - membro da ARS

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