O gesto sacerdotal de abrir os braços IN MODUM CRUCIS (em forma de cruz)
ALLELUIA
Pax et bonum!
Caríssimos, à procura de mais fontes que tratassem do gesto litúrgico do sacerdote ficar de braços estendidos, abertos em forma de cruz, logo após a consagração durante uma parte do Cânon Romano (Oração Eucarística I) [gesto que acho muito belo e significativo], encontrei um livro de um clérigo anglicano. O texto ajuda a mostrar como o gesto era há séculos conhecido na Europa, em várias liturgias ocidentais. É claro que ele não esgota o assunto, mas fornece mais alguma informação.
O Alcuin Club, fundado em 1897, donde nos vem este tratado, ainda hoje existe, para promover o estudo da liturgia [no meio anglicano].
O gesto do celebrante de estender os braços
IN MODUM CRUCIS (em forma de cruz)
Do tratado "O Sinal da Cruz nas Liturgias Ocidentais"
De Ernest Beresford-cooke, clérigo anglicano
Dos estudos do Alcuin Club
1907
Título original da obra: THE SIGN OF THE CROSS IN THE WESTERN LITURGIES
Título original da seção: THE EXTENSION OF THE CELEBRANT'S ARMS, IN MODUM CRUCIS
Esta cerimônia sagrada, obviamente, tem uma primeira referência à posição dos braços de nosso Senhor durante o momento de sua crucificação. Data, contudo, de tempos mais antigos. Desta forma, São Justino, mártir, refere-se aos braços estendidos de Moisés, enquanto os israelitas lutavam contra os amalecitas, como um tipo, uma figura da Cruz.
Tertuliano fala dos cristãos de seu tempo não apenas elevando as mãos em oração, mas também estendendo-as (De Orat. cap. II).
Minúcio Félix fala da oração feita com as mãos estendidas, e diz que adoravam a Deus com a mente pura e com as mãos estendidas na forma de uma cruz: "Crucis signum est, cum homo porrectis manibus Deum pura mente veneratur" (É um sinal da Cruz quando o homem venera a Deus com a mente pura e as mãos estendidas) (Dialogus et c. Oxford, 1678, p. 90). Paulino descreve Santo Ambrósio orando a Deus na hora da morte, com as mãos estendidas e abertas em forma de cruz: "Ab hora undecima diei usque ad illam horam qua emisit spiritum, expansis manibus in modum crucis orabat" (Da décima primeira hora do dia até a hora em que entregou o espírito, estava em oração com as mãos estendidas em forma de cruz) (Paulinus Mediolanensis, Vita Ambrosii, p. 12). Aprendemos de Eusébio que o Imperador Constantino teve sua própria imagem cunhada em medalhas de ouro, nas quais ele estava figurado com as mãos estendidas para Deus (Vita Constantini, lib. 4. cap. 15).
Uma referência similar é feita a este costume por vários outros escritores antigos. Era natural, portanto, que esta postura do celebrante fosse amplamente adotada para simbolizar o mérito suplicante da paixão e morte de Cristo durante a oração Unde et memores no Cânon da Missa. Durandus, escrevendo no séc. XIII, fala de um modo a provar que este costume estava evidentemente bem estabelecido em seu tempo. "Sacerdos igitur hoc repræsentans, dicendo tam beatæ passionis, manus in modum crucis extendit, ut habitu corporis manuumque Christi extensionem in cruce repræsentet" (Representando isto, ao dizer tam beatæ passionis - bem-aventurada paixão -, o sacerdote estende as mãos em forma de cruz, a fim de representar a postura do corpo e a extensão das mãos de Cristo na cruz) (Rat. Div. Off. iv, cap. xliii, Lião, p. 338).
Na França este costume era muito respeitado. Grancolas [teólogo e liturgista francês; *1660, +1732] diz que na oração Unde et memores o sacerdote estende seus braços em forma de uma cruz, representando assim a extensão das mãos de Cristo na cruz, e cita Gabriel Biel [grande teólogo escolástico alemão; *1425, +1495] como sustento para sua afirmação (Traité de la messe et de l'office Divin, Paris, 1714, p. 136).
Claude de Vert [liturgista francês; *1645,+1708] é um grande defensor deste costume. Ele diz: "à palavra passionis, da oração Unde et memores, ele, o sacerdote, estende os braços em forma de cruz, para significar a [cruz] do nosso Salvador, principal instrumento de sua paixão" (Explication des cérémonies de l'Eglise, Paris, 1720, t. i. pp. 237-8).
O sacerdote, diz ele, faz uma expressa memória da paixão de nosso Senhor por este gesto. De Vert cita Nicolas Plova, Durandus, Gavantus, Scortia, Suarez e Gabriel Biel, testemunhando o costume e sua importância.
Falando da rubrica romana moderna, De Vert admite que ela não ordena positivamente que o gesto tenha que ser feito "en form de Croix" (em forma de cruz), mas não diz nada, argumenta ele, quanto ao contrário, e cita os missais de 1537, 1553 e 1555, como contendo a seguinte rubrica extensis aliquantulum brachiis (com os braços um tanto estendidos). Diz-nos ele que o missal de 1551 ordenava que In oratione Unde et memores ubi specialis fit commemoratio Passionis, aliquanto fiat prolixior brachiorum (na oração Unde et memores, onde se faz especial comemoração da Paixão, estejam os braços [abertos] de forma mais ampla); e que outro missal de 1559 reza brachia aliquantulum extendit ad modum crucis (estende um tanto os braços em forma de cruz). Também o Missal dos Dominicanos traz: extendit brachia plus solito (estende os braços mais do que o costume), e o mesmo costume é observado pelos Cartuxos e Carmelitas. O Ordinário dos primeiros dizendo elevat et expansas tenet manus in modum crucifixi (eleva e permanece com as mãos estendidas em forma de crucifixo/crucificado); e a rubrica no Missal iniciando assim: expansis brachiis et manibus dicit Unde et memores (com mãos e braços estendidos diz Unde et memores) (Ib. ut supra, pp. 238-9).
De Vert faz referência a alguns que parecem julgar impróprio estender as mãos, depois da consagração, para além do corporal, e acha que isto pode ter sido a razão pela qual em certos missais a rubrica requer as mãos estendidas diante do peito [é o caso da Forma Extraordinária do Rito Romano, como se vê no Ritus Servandus in Celebratione Missæ em vigor em 1962: Reposito Calice et adorato, Sacerdos stans ante Altare, extensis manibus ante pectus, dicit secreto: Unde et memores, etc. - Depois de depor o cálice e de o adorar, o sacerdote fica de pé diante do altar, com as mãos estendidas diante do peito, e diz em voz baixa: Unde et memores. O ante pectus foi retirado na edição de 1965.]; mas seu comentário acerca do "rubricaire" que moldou a rubrica extensis brachiis ante pectus (braços estendidos diante do peito), certamente não é muito agradável. E ele acrescenta que antes do tempo de Pio V os missais romanos, dentre outros o de 1540, simplesmente ordenavam a extensão dos braços, extensis brachiis, sem a restrição, ante pectus (Ib. p. 240). De Moleon diz que em Orleans o sacerdote tem seus braços estendidos na forma de uma cruz, ao dizer Unde et memores, como o fazem vários ordens monásticas (Voyages Liturgiques de France, 1757).
A mesma cerimônia é prescrita pelas rubricas do Missal Ambrosiano: extensis brachiis in modum crucis, dicit Unde et (Missale Ambrosianum, Milão, 1902). No tratado alemão intitulado "Dat Boexken van der Missen", há um gravura em madeira mostrando o celebrante de pé com os braços abertos in modum crucis, na oração Unde et memores, e a explicação dá o seguinte texto: "Como o sacerdote, depois da elevação, fica de pé com os braços abertos como uma cruz, em oração pelo povo", embora, como o editor do tratado comentou, "em oração pelo povo" não é uma descrição muito certa da oração Unde et memores (The Booklet of the Mass; Alcuin Club Collection, V. p. 91).
Num tratado contendo direcionamentos para a celebração da Missa, chamado "Indutus Planeta", e que é encontrado em várias edições do Missal Romano impresso sobretudo na França, entre 1507 e 1546, o mesmo gesto é ordenado: "Deinde deposito calice dicit Unde et Memores extensis brachiis aliquantulum in modum crucis ut predictum est" (Em seguida, reposto o cálice, diz Unde et memores com os braços um tanto estendidos em forma de cruz, como dito anteriormente) (Tracts on the Mass, ed. Dr. J. Wickham Legg, Henry Bradshaw Society). Há um outro direcionamento no mesmo Tratado, diferindo levemente do citado acima. Como bem é sabido, o presente Missal Romano exclui este gesto significante pelos termos de suas rubricas: "extensis manibus ante pectus dicit secreto, Unde et memores". No Cânon do Missal de Utrecht, de 1540, a seguinte rubrica ocorre imediatamente após a consagração do cálice: "Reposito calice extendat brachia in modum crucis, et dicat Unde et memores" (Reposto o cálice, estenda o braços em forma de cruz e diga Unde et memores), etc (Citado no The Booklet of the Mass, p. 151). Quando nos voltamos para nosso próprio país [N.T.: Inglaterra], encontramos o costume de estender o abraços desta maneira como regra. Todas as edições do Uso de Sarum e de Hereford, e todos os manuscritos conhecidos do Uso de York, mandam este estender dos braços do sacerdote in modum crucis, na oração Unde et memores. A rubrica de Sarum é deinde elevet brachia sua in modum crucis, iuncti digitis, usque ad hæc verba de tuis donis ac datis (em seguida eleve os braços em forma de cruz, com os dedos juntos, até estas palavras de tuis donis ac datis) (Missale Sarum, ed. Dickinson, 1861-83, col. 617).
A rubrica do Missal de Bangor reza elevet brachia sua, extendendo in modum crucis (eleve os seus braços, estendendo-os em forma de cruz). A de Hereford [diz] extendat brachia in modum crucifixi (estenda os braços na forma de um crucifixo/crucificado) (W. Makell, Ancient Liturgie in the Church of England, Londres, 1846, p. 96). Em todos os manuscritos conhecido do Missal de York a mesma ação é prescrita: elevet brachia in modum crucis iunctis digitis usque ad hæc verba de tuis donis et datis, ita dicens Unde et memores etc (eleve os braços em forma de cruz com os dedos juntos até estas palavras de tuis donis et datis, dizendo Unde et memores etc) (Missale Eboracense, ed. Henderon, 1874, vol. I p .186). No missal impresso do Uso de York, todavia, a diretriz não é dada, possivelmente, como sugeriu o Côn. Simmons, por um desejo de conformar-se ao uso de Roma, por um ciúme da preponderância da Sé de Cantuária [Canterbury, onde fica a sede do anglicanismo] (The Lay Folks Mass-Book, ed. Simmons, 1879, p. 289).
Nesta instrução sobre como participar da Missa, chamada de Lay Folk Mass-Book [ou o Livro Popular da Missa], que foi escrito originalmente em francês por volta de 1170, e traduzido para o inglês uns cem anos depois, encontramos o costume de que estamos tratando da seguinte forma:
"Em seguida, o sacerdote estende os seus braços,
significando que Ele morreu sobre o madeiro,
por mim e por toda a humanidade" (Ib. u. s. p. 144).
Que esta cerimônia do sacerdote abrir bem os braços durante o mérito suplicante da paixão de Cristo foi um costume geral na Inglaterra, por volta do fim do reinado de Henrique VIII, podemos inferi-lo do Book of Ceremonies então em vigor. Na seção que trata das "Cerimônias usadas na Missa", vemos as seguintes palavras: "Depois da qual (ou seja, a elevação) o Sacerdote estende e abre seus braços em forma de uma cruz; declarando, desse modo, de acordo com a ordem de Cristo, que tanto ele como o povo não só têm viva a memória de sua paixão, mas também de sua ressurreição e gloriosa ascensão" etc (Strype, Eccles: Memorials, vol I. pt 2. pp. 424-5, Oxford, 1822).
A mesma regra parece ter sido observada na Escócia. No Missal de Arbuthnott, a rubrica diz elevet brachia in modum crucis, iunctis digitis usque ad hæc verba de tuis donis ac datis, ita dicens Unde etc (eleve os braços em forma de cruz com os dedos juntos até estas palavras de tuis donis ac datis, dizendo Unde etc) (Liber Ecclesiæ... de Arbuthnott, Burntisland, 1864, p. 160).
É estranho que um tal gesto, em favor do qual há tanta antiga autoridade e que, como vimos, faz uma singular referência ao Sacrifício da Cruz, tenha sido achado tão ofensivo à ala protestante no séc. XVI. E nossa admiração aumenta quando recordamos que a cerimônia em questão era uma das características que diferiam nossos livros litúrgicos dos da Igreja Romana [embora não de tantos outros livros de ritos católicos ocidentais, como o próprio autor citou]. O fato é que este costume cerimonial está tão difundido, alguém pode dizer, que a rubrica romana fica quase só, senão totalmente só, ao mandar que as mãos do sacerdote estejam diante do peito, enquanto diz a primeira parte do Unde et memores. Assim, um costume como este, que esteve em uso por toda esta ilha, e em grande parte do continente europeu, é um daqueles que ficariam bem se nosso clero o mantivesse e o pusesse em uso hoje em dia.
Os braços in modum crucis nos Ritos Premonstratense...
Ambrosiano...
Carmelitano...
Cartuxo...
e Dominicano, para exemplificar.
Tradução por Luís Augusto - membro da ARS
No Rito Tridentino isso ocorre?
ResponderExcluirPax et bonum, Elton.
ResponderExcluirEu até que gostaria que sim, rsrs, mas não há este gesto no Rito Romano. O mais próximo disso são os gesto de estender os braços, o que formalmente não ultrapassa a linha horizontal dos ombros, e o cruzar os polegares um sobre o outro quando as mãos estão juntas. Os dois gestos significam a cruz.